Saúde mental é o fim do capitalismo

Parece normal receber uma imagem de um conterrâneo pulando de uma ponte, ou saber da notícia sobre mais um que se enforcou ou pulou da Volta do Vento, mas não é, e não deveria ser. No ano passado, a venda de antidepressivos aumentou em 11%, esse é um dado real. A sociedade está em crise.

O nosso estilo de vida não nos oferece expectativas, esperanças, nem consolo. Vivemos em um fluxo intenso, sempre correndo e com as mentes sempre ocupadas de problemas e de informações inúteis, não estamos no presente e nem temos futuro. Qual é o sentido de viver assim, assistindo a episódios em que seres humanos querem se destruir e se destroem, sem piedade, sem empatia, por serem ou se considerarem diferentes? Que fé podemos colocar nessa espécie, que incendeia a natureza por motivos torpes, que caça por prazer, que odeia tudo o que não é espelho? 

Como podemos ter forças para nos levantar, se tudo o que fazemos é trabalhar incessantemente, estudar, cuidar da vida, dos outros e ainda assim, não termos esperanças de que o dinheiro será suficiente, ou se no futuro, haverá trabalho suficiente? Como nos tranquilizar com um sonho que não traz mais perspectiva de se realizar, como o de ter uma casa própria?

Além de tudo isso, dificilmente encontramos suporte emocional, pois as relações estão cada vez mais fragmentadas e líquidas, como diria Bauman. Essa é uma época de profunda desilusão, ou crise das instituições. Para resolver os problemas insolúveis, nos entupimos de remédios para amortecermos os sentidos e suportar a vida, alimentando a indústria farmacêutica milionária na busca da produtividade. Precisamos dar conta, dar conta de trabalhar 18 horas, de estudar 14 disciplinas, de escrever artigos, de fazer mestrado, doutorado, de consertar os móveis, cozinhar, ir para a academia, fazer festas e nunca descansar o corpo e a mente. Temos sempre "que" alguma coisa. Mas, nada resolve o problema, porque o problema da desilusão do mundo e da desesperança é um só e se chama capitalismo.

Não, gente, capitalismo não e consumismo. Capitalismo é um sistema que nos dita valores, e esses valores nos dizem que o lucro é mais importante do que qualquer coisa. É por isso que remédio para AME custa milhões, que jogam bombas e invadem os países estratégicos, que criam-se produtos inúteis desejáveis, que se colocam fogo nas matas, que exterminam indígenas, por que o lucro é mais importante do que o ser humano ou a natureza, da qual fazemos parte. E não, não foi sempre assim! E não vai ser sempre assim, mas não sabemos o que será, o que sabemos é que parece que tudo será cada vez pior,  que temos que ser perfeitos e estarmos sempre fazendo alguma coisa que, no fim, não serve para nada.

Portanto, não adianta muita coisa tomar pílulas para a depressão, não existe pílula mágica que vá melhorar nossa vida e acabar com os problemas da humanidade. Mas, claro, se a dor é insuportável, se não temos forças para levantar da cama, se não conseguimos pensar e sair para garantir a sobrevivência, o remédio pode ajudar. Mas precisamos tomar consciência sobre o sistema que nos leva a desejar essa vida massacrante, que ainda nos convence, apesar de tudo o que nos diz que não, que um dia seremos felizes e ricos, que basta nos esforçamos um pouquinho mais, que tudo depende de nós. Não depende de nós. Não depende de nosso trabalho cada vez mais árduo e de pensamento positivo. Nada que façamos muda a realidade e muda o funcionamento do capitalismo. Se isso fosse realidade, os raros que conseguem mobilidade social não virariam notícia, porque só vira notícia o que está fora da normalidade, da rotina.

Concluindo, a maioria das pessoas que conheço está com a mente destroçada, com o corpo doente, sem esperança no futuro e sem condições de ter coisas básicas, como uma casa digna. Eu vivo exausta e não consigo dar conta das coisas, sinto-me como um objeto.  A única coisa que salvaria a minha mente, e a de todos, era vivermos em um sistema em que tivéssemos a certeza de que nossas necessidades básicas seriam supridas e que tivéssemos tempo para... fazer nada, ou seja, para usufruir a vida, ao invés de nos preocuparmos em ter. Saúde mental é o fim do capitalismo.

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