Maria Bethânia, Caetano Veloso e o cachorrinho idoso



    O dia estava esfumaçado como nunca se vira em outros tempos, e isso, há semanas; rumamos para Belo Horizonte, para o show memorável de duas figuras da história da música brasileira, Caetano Veloso e Maria Bethânia. O clima cinzento e melancólico nos fazia também melancólicos e meio desesperançados. Encontramo-nos com nossos companheiros de show e pegamos um taxi, que se não tivesse o privilégio de passar pela via especial, nunca chegaríamos a tempo devido ao tráfego intenso que se dirigia para o Mineirão. 
    O show começou meia hora depois do horário, mas foi necessário. Estava tudo lotado, pessoas de várias idades e apaixonadas. 
    Quando aquele senhor e aquela senhora entraram, pareciam duas entidades. Maria Bethânia era uma rainha, uma lady, uma diva com aquele porte elegante, aqueles movimentos sutis e aquela cabeleira branca lhe coroando. Caetano era um lorde, um senhor respeitável e carregado de histórias. Que visão!


    O som não estava bom, o que deve ser normal dentro de um estádio de futebol; isso prejudicou especialmente Caetano, com sua voz mansa e suave, aliás, nos prejudicou. Bethânia, ah, nada segura o volume daquela voz que cobre todos os lugares, som quente e confortável. Eu brinco, com a minha mania sinestésica, que a voz dela é como uma manteiga quente não derretida. Que timbre! Foi emocionante.
    Ver aqueles dois seres, por volta de seus 80 anos ali, imponentes, belos, valorosos e se apresentando dignamente, me fez pensar na vida. Esses dois artistas e irmãos já viveram tantas coisas, tantas histórias, atravessaram uma ditadura e criaram obras de artes riquíssimas, levaram uma vida digna. Na reta final de suas trajetórias, que espero que dure bastante, ainda continuam encantando as pessoas com o seu trabalho.
    Voltando para a casa de nossos anfitriões/colegas de show/cunhados queridos, observei o cachorrinho da família que já tem 18 anos; ele estava deitado no sofá, já não enxerga direito e não tem dentes. Quando ele tentava andar, parecia um bonequinho de corda ou uma marionete, pisando vagarosamente e em falso, chegando a perder o equilíbrio e a cair. Há pouco tempo atrás, quando chegávamos, ele, que veio adotado dos Estados Unidos, latia sem parar de tanto medo de estranhos, até que se acostumava e ficava entre nós, mas sempre tremendo e levando susto; hoje, é um cachorrinho idoso que mal consegue andar.


    A vida acaba e é rápido. O Caetano, a Maria Bethânia e o cachorrinho esfregaram isso na minha cara e me fizeram enxergar o que eu já via, mas não entendia. Aquele momento que vivemos, com aquelas pessoas, jamais se repetirá. NADA se repetirá e não existe amanhã, só existe o momento, que curtimos, ou desperdiçamos esperando as coisas melhorarem. Essa é a verdade, nós sabemos dela, mas não acreditamos nela.
    Obviamente, não basta apenas decidir "curtir" a vida, mas esse é um assunto para outro texto em que poderemos falar sobre sanidade mental e capitalismo, mas a maneira como decidimos estar presentes em cada instante nos diz sobre viver, ou morrer estando ainda com os olhos abertos. Vamos escolher sorver o orvalho que cai a cada segundo?
       

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