Ouro Preto: uma cidade, um mundo

 

Imagem criada por IA

Estamos em agosto, na cidade de Ouro Preto, soterrados por avalanches de eventos culturais diários. São meses de festivais infindáveis, palcos são montados e desmontados a todo o momento no meio da praça, em todas as praças, e rios de dinheiros públicos e financiados por isenção de impostos são dedicados a esses eventos que contribuem para poucos empregos e o enriquecimento de quem já é rico e gerencia o turismo. É tanta oferta que o valor delas, para quem vive aqui, torna-se ínfimo. A tal da lei da oferta e procura tem algum fundamento, afinal.

Eu adoro arte, shows e tudo o mais, mas é estranho viver dentro de um circo montado 24 horas por dia. Nesses últimos dois ou três meses, passaram pela cidade: Festival Cineop, Festival Gastronômico, Festival de Fados, Festival de inverno, Festival Marte e Festival Tudo é Jazz, é do que me lembro. Festivais ruins? Não, ao contrário, maravilhosos, trazendo grandes artistas, atrações imperdíveis, mas perdi a maioria. Perdi porque estava soterrada, "avalanchada" e cansada de tantas informações impossíveis de serem perseguidas. Cansada de tudo da vida, do correr de lá pra cá, do cotidiano no meio desse caos.

As eleições se aproximam e o circo está montado. As pessoas precisam do ópio para se esquecerem da Saneouro, que cobra uma das maiores taxas de distribuição de água do Brasil. Mas, "a vida não se resume a festivais".

Viver em Ouro Preto é uma aventura, trata-se de uma cidade histórica em que, realmente, as pessoas vivem, portanto, há rotina "normal" no centro histórico, ou seja,  não se trata de um museu, ou de um cenário, como muitos lugares se tornaram (vide Lavas Novas). Pelas ruas, as crianças uniformizadas caminham, pessoas correm para o trabalho, ou para fazerem compras, todos os dias, junto de centenas de turistas de todas as partes do mundo. Enquanto caminhamos, uma performance acontece no meio da rua, um músico toca sua sanfona, os personagens típicos cantam junto com as excursões escolares. Dentro dos ônibus, as pessoas reclamam do atraso, da falta de linhas, brincam com os conhecidos de fora, ficam suados. Nas igrejas, as pessoas vão para rezar e assistir as missas, não apenas para visitar. Os aposentados se sentam nas pontes e jogam cartas. Os estudantes universitários fazem seus rocks nas repúblicas e assim o tempo caminha, depressa e devagar, levando a história antiga e a recente. Agora, principalmente, políticos vão às festas populares, até mesmo às "inflamadas", como dizemos aqui. Cumprimentam a todos, tomam da cerveja mais barata e parecem se divertir. Uma cidade "quase" como outra qualquer.

Mas há algo que denuncia uma mudança em curso, casarões abandonados e decadentes a venda, por todos os lugares. Como a cidade é um patrimônio Histórico, amada e idealizada por muitos, além de ser uma cidade universitária, de público transitório, o mercado imobiliário quer lucrar tudo o que Ouro Preto perdeu na exploração do ouro por Portugal. A maioria dos imóveis são mofados úmidos, pequenos e mal divididos, mas os valores da venda e do aluguel são inimagináveis e impagáveis para seres normais. O colapso se anuncia.

Enquanto tudo isso acontece, há uma explosão de bares e de academias por todas as partes, o que parece contraditório. A estética "influencer" está moldando os gostos e os valores, a moda é ser atlético, musculoso e ter muita resistência para bebida (apesar de muitos jovens rejeitarem o consumo do álcool ultimamente). Os "lazeres" são esses, malhar e beber. Outra estética que está vindo com tudo e seus valores é a estética agro. Ser agro, hoje, significa ser bem sucedido, ser atual, ser legal, ser chique. É o que temos em Ouro Preto, também.

Ouro Preto é um pedacinho do mundo todo e carrega os valores do Brasil, de várias formas. Quando caminho por aí e paro para ver alguma apresentação de dança, ou, no caminho para o trabalho, observo os senhores jogando cartas, quando vou a um bar periférico e estão cantando sertanejo e as pessoas vestem botas e chapéus de vaqueiro, passo pelo mundo todo. De algumas coisas gosto, de outras, não, de certas coisas, sinto falta. Podemos passar por tudo isso, o rodízio de festivais que atraem turistas, os bombados, os agroboys, os aposentados, os estudantes primários e secundários, os universitários, as doninhas vendendo verduras, passeando de ônibus, os viciados, os cachorrinhos nas ruas, os motoboys, os políticos e irmos para casa como se nada estivesse acontecendo, mas é mentira dizer que nada nos atinge e que nada disso faz parte de nós mesmos.

Comentários