A menina toda errada



Eu já vivi alguns anos, o bastante para ficar dizendo que "já não se fazem mais coisas como antigamente", ou, "esse mundo está perdido", mas não o bastante para ter uma ínfima ideia sobre a lógica de se estar vivo. Certamente, não serei eu a descobrir o sentido da vida, ou a escrever um tratado sobre a suposta ou não "natureza humana", não serei eu o próximo Marx ou Freud, mas arrisco-me a dar pitaco onde não sou chamada. 

Quando eu era uma ínfima criança fêmea, tinha esperança. Eu acreditava que as pessoas estavam trabalhando para construir uma sociedade mais justa e sem sofrimento, como se existisse uma verdade essencial de bem e mal, certo ou errado, e que todos estavam inclinados ao bem. Não existe isso, como já diria o tal do Nietzsche, com suas controversas pontuações sobre mulheres e judeus. 

Culpam o capitalismo, o comunismo, as estruturas econômicas e sociais, culpam a cultura; dizem que o capitalismo não deu certo, mas certo para quem? Para os capitalistas, está funcionando de vento em polpa, digamos de passagem. Dizem que o comunismo é a solução e uns pregam que será a culminância da espécie, mas, qual comunismo? Ainda não sei se experimentamos o tal. A China surge como algo novo e indefinido, com certo sucesso em cumprir a ideologia que diz que o certo é ter igualdade para todos, dividir o pão e a terra, embora haja também algumas questões a serem pensadas sobre a tal democracia, algo que também não sabemos se existiu de fato nesse universo humano.

Afirmar que existe certo e errado é o mesmo que dizer que existe um Deus que definiu o bom e o mau, ou crer que exista uma verdade essencial, ou natural; também, pensar que não existem parâmetros para certo e errado é querer a extinção de nossa sociedade, já que o ser humano é uma amontoado de hormônios e de valores, valores estes que são adquiridos socialmente. Existe certo e errado de acordo com os valores que adotamos, e estes é que devem ser considerados no planejamento de uma sociedade, seja a que leva em consideração as diferenças tentando ameniza-las, ou seja a que usa as diferenças para afirmar a superioridade de uns em detrimento de outros. 

Falando em diferenças, para quem chegou até aqui, declaro que sempre fui a diferente, se é que há iguais. Na última semana, minha prima disse que eu era entojadinha na infância, e que só comia tomate. Eu realmente me lembro de estar sentada no sofá de casa, assistindo a um filme e comendo um tomate, e me lembro de ser péssima com pessoas e situações. Lembro-me de ficar sempre imersa em meus pensamentos e observar muito tudo o que me envolvia. Eu também tinha uma característica, não conseguia olhar nos olhos das pessoas, isso me causava uma sensação de dor, parecia que a pessoa estava me lendo, assim como a lia. Isso, fui mudando aos poucos, porque não queria ser falsa, como  diziam sobre quem não olhava nos olhos; mas ainda sinto dificuldades. 

Já me chamaram de fria, metida, e de outros adjetivos, mas, mesmo com essa tal frieza da qual me acusam,  tudo me machuca, desde os sons à perversidade humana. A arte me comove, tudo o que pode ser chamado de arte, desde uma comidinha feita com todo zelo à um filme antigo que a maioria não está a fim de ver. Porém, não sei dizer palavras amorosas, solidárias, saudosas, porque não utilizo palavras apenas para ser sociável, as palavras para mim são uma expressão do que vem de mim, não do que esperam, e, neste sentido, não consigo interpretar o que esperam e esperam o que não consigo dar.

Sobre as pessoas, sinto profundo desejo de que todas sejam felizes, mas não sinto a necessidade de que estejam perto de mim o tempo todo. Preciso de poucos ao meu lado, no dia dia, e amo os distantes, mesmo distantes. Por ser desse jeitinho, fui a esquisita por muitos anos, e é por este motivo que este blog se chama Mulher Alienígena, porque sinto não pertencer a esse mundo.

Há poucos meses, tive uma confirmação diagnóstica de autismo, de uma neuropsicóloga. Não duvido da competência, mas ainda não tenho certeza sobre este diagnóstico, porém, o conhecimento sobre o transtorno me trouxe um certo conforto e permissão para ser o que sou e poder dizer que assim sou. Não sou certa ou errada, sou assim, embora sei que também deva tentar me adequar a alguns parâmetros para viver bem nessa sociedade de valores.

Eu me aceitei e não fico chateada de falarem que eu era entojada, na verdade, hoje, depois de ter superado e aprendido muito, acho graça, mas penso sobre a tolerância que às vezes eu mesma não tenho às diferenças. São muitos assuntos aqui, misturados, mas resumindo, na minha opinião, há o certo e o errado de acordo com o conjunto de valores que determinados grupos assumem e, se queremos transformar a sociedade, devemos nos concentrar em como fazer com que nossos valores sejam hegemônicos; meus valores incluem a tolerância e o respeito, não a aceitação de todos os valores em minha vida pessoal, especialmente os que me ferem, mas isso não me dá o direito de exterminar o outro. Finalmente, mais do que ficar ecoando pelas redes sociais palavras vazias, viciadas e falsas, como "amor", "saudades", "gratidão", deveríamos praticar o respeito e a empatia verdadeira, que esses, segundo meus valores, são sentimentos e ações que todos realmente merecem (com raras exceções hediondas). 

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