A memória tornou-se assunto favorito, especialmente nos meios acadêmicos, sendo atribuídos a ela diversos objetivos e funções individuais e coletivos. As experiências que vivenciamos são responsáveis por "formatar" a espécie de ser humano que somos e seremos, assim como também fazem as memórias coletivas, ou seja, as histórias que ouvimos contar, os discursos existentes em nossa sociedade são responsáveis por criar identidades individuais e também coletivas, nos oferecem motivos de engajamento, sentimento de pertencimento, sentido de vida. A preservação ou a manutenção das memórias coletivas, são, então, importantes para a composição de valores, para o reforçamento ou fortalecimento das identidades grupais, e para o direcionamento de condutas individuais.
Pelos motivos citados, vídeos como o criado pelo IFMG de Ouro Preto são capazes de nos emocionar por trazerem a tona imagens, as quais jamais vimos, mas que sabemos pertencerem à nossa história, à história de nossos antepassados, nos fazendo, assim, viajar no tempo e nos possibilitando pisar no mesmo solo que "nossa gente" pisou há mais ou menos 300 anos. Esse sentimento, o de pertencer à cidade e de ter a cidade pertencente a nós próprios, é um sentimento muito forte entre ouropretanos, o que pode ser evidenciado pela revolta geral que sempre é causada quando, geralmente alguém que não é da cidade, pixa uma igreja ou um prédio centenário. Eu experimentei esse sentimento quando vi as labaredas consumirem o casarão do antigo hotel Pilão na Praça Tiradentes; sentimos uma dor tão profunda, como se um pedaço de nós estivesse se incendiando também, assistimos, junto aos pedaços que caiam, as lágrimas de dezenas de pessoas que correram para a praça a fim de ver com os próprios olhos a morte de uma parte deles mesmos.
Há acontecimentos que são marcantes, e as imagens que são formadas e reconstruídas a cada momento, quando rememoramos os acontecimentos trazem sempre alguma forma das emoções que experienciamos no momento em que tais fatos ocorreram. São essas imagens reinvocadas que a todo momento reconstruímos, resignificamos, é que nos ajudam a nos manter unidos socialmente, nos possibilitam projetar novas imagens para o futuro, com a intenção de evitar ou de reviver as mesmas emoções, ou emoções que essas imagens introduzidas em nosso repertório imagético e identitário sobre determinadas questões, acontecimentos, lugares e pessoas são capazes de possibilitar.
A memória nos diz quem fomos e nos impele também para um futuro ideal, baseado em reminiscencias do passado. Embora saiba do papel da memória em minha vida, eu não sou uma pessoa saudosista, como a maioria se torna com o passar do tempo. Na experiência individual, prefiro entender que todos os acontecimentos tem o seu momento, e se consideramos que algum tempo foi ou será melhor, não passa, ao meu ver, da supervalorização de uma memória resignificada de imagens idealizadamente projetadas para o futuro, reconfiguradas por situações do passado, com a finalidade inconsciente de dar significado à uma existência que momentaneamente possa estar sem sentido, ou seja, é a busca do tempo perdido, a busca de uma construção de uma máquina do tempo que nos leve para um tempo alternativo e sem lugar. A memória individual tem tempos diferentes da memória coletiva; a memória coletiva parece ser como uma lenda sobre a origem de tudo, ao mesmo tempo que é o sagrado, a verdade existencial; a memória individual, ou seja, a experienciada e não a aprendida pelos discursos presentes, nos guiam sobre escolhas mais pontuais e nos dizem sobre a identidade construída durante as fases da vida.
Valorizar a memória não quer significar viver de memória. Idealizar um namorico do passado quando tudo parece caótico, teimar em viver as mesmas experiências as quais geraram sensações extremas na adolescência, mas que o corpo atual não suporta, buscar o mesmo padrão de beleza do passado, não aceitar rugas, não aceitar que não há mais tempo para alguns antigos projetos, pensar sempre nas travessuras da infância, chorar pelo tempo maravilhoso nos bailes da vida e se recusar a dançar hoje é viver de memória, é se guiar não através dos aprendizados, mas das sensações geradas pela memória e desejadas como se fossem objetos a serem resgatados.
Não significa, também, e porém, que devamos nos esquecer dos lugares e das pessoas que lá estavam, ou que não tenhamos o direito de revisitar de vez em quando sentimentos nostálgicos e que nos fizeram bem; tudo o que vivemos, nossas memórias, é parte do que nos tornamos, é o que somos. Algumas situações e pessoas continuam em nossos caminhos, talvez para sempre, mas, tudo o mais sai do lugar e tem sua própria estrada e rede de memórias. Talvez esses sejam os principais papeis da memória, o de nos situar em algum lugar e o de nos possibilitar escolher os lugares para onde queremos ir (ou ficar). E assim, rememorando, resignificando as memórias, ocultando-as, preservando-as ou colocando-as em locais especiais, vamos salvando (ou destruindo) a sociedade humana.
oi
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