Já estávamos em quarentena



Estou sozinha com o Corona lá fora. Na minha infância, tinha certeza de que o futuro seria exemplar, as coisas pareciam correr bem, existiam propagandas na televisão que ensinavam cidadania e aulas que ensinavam noções de higiene; as pessoas deixaram de jogar lixo nas ruas, leis de trânsito foram melhoradas, parecíamos que estávamos indo em direção à paz e à prosperidade. Passamos períodos difíceis na economia, faltou carne, faltou dinheiro, parei de estudar, porém, a pobreza começava a ficar menos pobre.

Tenho vergonha em dizer que eu, assim como a maioria dos brasileiros, fui criada por um canal de televisão. Ficava deitada no pequeno sofá da sala, comendo um tomate e assistindo a filmes, era esquisita, eu sei. Aliás, não é sem motivo que me autodenomino "Mulher Alienígena". O meu sonho na adolescência era ter uma calça jeans. A minha casa tinha dois cômodos, sem rebocos, eu ficava na escada para que os amigos não entrassem. Parecia mal educado, mas acho que eles compreendiam.

Apesar da pobreza, que melhorou com o tempo, o mundo era promissor, eu acreditava nas leis. Pobre coitada. Hoje, vivemos um caos parecido ao que acompanha guerras, catástrofes, tempos que levam ao fundo do poço e geram mudanças. Hoje não há leis, não a garantias, não há verdades, aliás, há verdades incrivelmente velhas e ultrapassadas. O Brasil, assim como outros países do mundo, está sendo governado por uma pessoa totalmente despreparada e que a todo o momento coloca em risco a soberania e o povo, tomando medidas baseadas em senso comum sem nenhum fundamento e que contradizem o conhecimento científico. Estamos perdendo conquistas históricas, direitos de todos os tipos, credibilidade internacional. Este homem incita a violência e a intolerância com seu discurso de ódio e dissemina falsidades que captam os ingênuos que estão em busca de segurança e de um herói. Além de estar tudo indo ladeira abaixo, igual a mulher quando entra na menopausa, aparece essa pandemia de corona vírus. 

Parece que o fim está próximo. Tudo parado, medo, violência, intolerância, desigualdade, miséria humana. Há muito não tinha forças para escrever nesse humilde diário, tão ultrapassado quanto, talvez, minhas ideias. Mas aqui estou eu, com os meus suspiros restantes.

Ficaremos em quarentena por 15 dias, por enquanto. Se não bastasse tudo o que o mundo se tornou (e creio que, nessa etapa da dialética histórica há um agravante, que é a internet), temos que ficar trancados em nossas casas com medo de que uma doença fatal nos alcance e caiamos mortos no chão, parados, assistindo a noticiários infindáveis contando-nos sobre esse caos e aguentando os gritos das crianças jogando Freefire. Eu não sei o que é pior.

A destruição está em nossas casas e chegou lentamente. O apocalipse zumbi é now, minha gente. A besta está no comando, a pestilência está por toda parte, o desespero, a decadência, e para completar, todos estão parados dentro de casa, sentados por 24 horas segurando um dispositivo eletrônico. O mundo começou a acabar quando começamos a pensar que um telefone celular é parte integrante de nosso corpo e que sem ele não somos capazes de abrir a porta da geladeira. É através dele que obtemos nossas informações, opiniões, alegrias, satisfações, tudo. Não se iludam, somos todos dependentes, viciados em internet. Todos nós, tanto que fingimos que essa questão não é séria para que não precisemos tomar iniciativas em relação aos outros e a nós mesmos, para que possamos continuar sentados, olhando para uma tela. Triste.

O fim já chegou. A semente já foi plantada, a semente do ópio que envenenou tudo, brotando ódio e frutificando alienação. O ovo da serpente está prestes a se quebrar.




Comentários

  1. É uma reflexão muito oportuna, minha amiga, mulher alienígena. Somos alienígenas em nossa própria casa.

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