Ultimamente venho sentindo medo de me posicionar sobre questões delicadas, pois estamos enfrentando uma época de enxurrada de informações e polarização de opiniões, o que também intensifica a intolerância, tendo em vista que encontramos e selecionamos as informações que fazem eco às nossas opiniões e empurramos para debaixo do tapete todas as outras. O excesso de informação pode ser prejudicial à nossa capacidade de raciocínio, reflexão e memorização, ou seja, em linguagem mais simples, pode nos emburrecer, além de nos exaurir.
Muitas vezes não sei quem fala em mim, se os meus preconceitos, a minha moral ou a minha crítica. Oh, não se enganem, TODOS possuem sua moral, mesmo a contestação de que tudo o que existe, até mesmo sobre se há verdade, muitas vezes, é baseada por conceitos morais profundos. Somos seres humanos.
Vou tentar falar sobre algo complicadíssimo (já que todos se sentem no direito de dar sua opinião), que é o feminismo. A minha opinião é apenas mais uma no meio dessa enxurrada, pode interessar a pouquíssimos (literalmente), irritar a muitos e trazer xingamentos pessoais, como é moda na internet hoje em dia, mas todos tem direito a sua opinião e às suas escolhas (ou não); eu ainda estou tentando entender sobre esse tema, que, só sei que, não só por alguém ser mulher, obrigatoriamente se encaixaria em seus parâmetros, pois, como sabemos, o que mais tem nesse mundo são mulheres machistas.
Quadro de Oksana Shachko (fundadora do movimento Femen) |
Creio que na maior parte das culturas, a trajetória da mulher dentro da sociedade tenha acontecido de forma similar, ou seja, a sociedade reservava para ela um lugar de submissão perante o homem; isso significa que quase sempre as mulheres foram consideradas incapazes intelectualmente, sendo desconsideradas em tomadas de decisões e tolhidas de direitos que eram dados aos homens, como o de ir e vir, e o de escolhas sobre a própria vida. às mulheres também eram destinados os afazeres domésticos, considerados como naturalmente femininos e inferiores, e os cuidados com a criação dos filhos.
Uma forma de controle e de submissão é a objetificação da mulher, ou seja, a transformação de seu corpo em um objeto que serve apenas para os deleites sexuais dos homens. Seu corpo foi pintado em outras épocas, fotografado, e exposto para a apreciação dos homens que culturalmente só enxergam esse tipo de relação com as mulheres, como se elas não fossem seres humanos. Parecem apenas palavras, mas já constatei diversas vezes que muitos homens realmente tem certeza de que são superiores às mulheres, mesmo não encontrando motivos claros para a sustentação de tais opiniões. Eles tinham a certeza, e essa constatação me foi assustadora.
A maneira como o corpo da mulher fora objetificado pela história carece de mais estudos, que não possuo. Também não tenho a capacidade para falar sobre sexualidade humana ou sobre a importância do sexo para a humanidade e sobre os motivos que o sexo, vira e mexe, é demonizado pelas sociedades, dialeticamente. Também não tenho arcabouço teórico para analisar sobre o papel da mulher dentro dessa formação de seu próprio papel na sexualidade, pois nem sempre a mulher foi passiva e nem sempre o sexo foi tabu, ou a mulher fora privada dessa sexualidade, servindo apenas como objeto. Não sei dizer por que usualmente é a mulher que se torna objeto; não sei se isso é uma característica social, cultural ou biológica, não sei se a mulher não gostaria de um homem objeto, mesmo sendo mulher. Enfim, só posso dizer sobre o que assisto hoje, fato não totalmente desprovido de contexto reflexivo.
O feminismo seria um movimento, hoje não mais homogêneo, de luta pelos direitos de equidade para as mulheres e contra o machismo.Uma luta para que possamos ter, dentro da sociedade, o direito de sermos ouvidas, de termos escolhas e domínio sobre nós mesmas, sobre nossas ideias, direção e corpos. A luta de termos nossa intelectualidade reconhecida, individualidade e integridade respeitadas. Luta para que o trabalho que fazemos seja considerado pelo seu valor, e não pelo gênero de quem o realiza. Luta para não sofrermos assédio como se fôssemos um corpo desprovido de humanidade. Luta por termos também nossas diferenças biológicas reconhecidas como naturais e complementares, nunca como fator de submissão ou de desqualificação, mas que essas diferenças, como tantas outras de diversas complexidades, possam ser admitidas para que também possam ser tratadas com as devidas medidas para que ainda haja essa equidade, e não privilégios. Luta para que as mulheres consigam entender a complexidade dessas relações e armas de dominação a que elas são submetidas e da qual fazem parte, perpetuando sua situação de submissão. Para mim, isso é feminismo.
Quanto aos parâmetros de beleza, esses sempre existirão, sejam ditados por homens, por mulheres, ou pela tal indústria cultural. Quanto à exploração dos corpos, isso também sempre existirá, desde que haja alguém ou algo disposto a se submeter a isso, porque isso faz parte da complexidade que é a sexualidade humana (mesmo que os corpos sejam virtuais/cibernéticos/mecânicos). Mas, o que me intriga em nossos tempos, é a hipocrisia e a dissonância discursiva que existe nas redes sociais, e é sobre o que falarei agora.
Como já falei anteriormente nesse blog, inspirada por reflexões e teorias diversas, é obvio que os seres humanos possuem necessidades sociais de reconhecimento e pertencimento, e isso pode ser obtido de diversas formas, como com a associação a grupos diversos, conquista de títulos, aplausos, menções, paparicações e por aí vai. Isso nos dá a certeza de que existimos e de que somos reconhecidos, de que temos algum valor, alguma importância, de que "somos foda". Nessa era virtual, essa sensação banalizou-se e tornou-se acessível a todos indiscriminadamente, através de interações em redes sociais e seus números. É uma ferramenta viciante de massagem de ego (a postagem e o recebimento de interações) que os idealizadores dessas redes souberam utilizar perfeitamente, são traficantes que cobram de seus viciados todas as informações de suas vidas, e esses pagam com prazer para continuarem existindo. Na busca por essa droga catártica, utilizam de diversos discursos que tomam e bebem conforme a música toca.
Charge machista contra as sufragistas |
Pensando sobre tudo isso, considerando o feminismo, essa luta tão nobre, digna e necessária, que é também contra a objetificação do corpo da mulher, que poderíamos considerar por um ponto, que é a luta contra a exposição sexualizada do corpo da mulher para fins de prazer masculino, capitalizados, adotando padrões muitas vezes irreais e antinaturais, ou seja, afirmando o lugar da mulher como o de um objeto sexual, pergunto-me sobre a posição que algumas mulheres adotam nessa luta que é a de exatamente exporem seus corpos de maneira sensual em redes sociais.
Talvez a posição seja a de exposição do corpo para que ele não mais seja visto como tabu, ou o desejo de resinificação, ou a tomada da significação natural do corpo que é o de ser apenas um corpo e não um objeto. Talvez o sentido seja o de desmistificar a sexualidade, de mudar paradigmas sociais. Talvez choque, e sabemos que muitas vezes precisamos do choque para chamar a atenção para uma situação que precisa ser notada e transformada. Tudo é válido na luta por direitos, desde que não agrida a ninguém, nem ao sagrado do outro, que é a mesma coisa.
A luta é válida. Mas, mulheres, só não é válido ser hipócrita. Não vale abraçar discursos sem entender o significado e acabar se transformando exatamente naquilo que combatem, ou seja, tornando-se um objeto sexualizado nas redes sociais a fim de suprir o vício de "ser foda" e de fazer um papel da moda que é o de "militante" de araque; por que ser feminista não implica necessariamente em "causar" na internet para projetar a si mesmo, que disso, gente que causa, a internet já está saturada. Ser feminista, ao meu ver, é utilizar de armas inteligentes para se fazer ouvir, e que as vezes pode ser o corpo também, com inteligencia e coerência. Ser feminista é ter um discurso condizente com as atitudes, e é lutar por direitos humanos. Ser feminista é agir no dia dia, ensinando os filhos, no trabalho, na comunidade, discutindo, interagindo e propondo coisas reais e práticas. Ser feminista não é, de maneira nenhuma, ser contra os homens, contra o sexo, não é ser rude, não é ser violenta, como muitos pensam. Ser feminista é lutar para que as mulheres sejam tratadas com respeito, equidade e atenção, como todo o ser humano deveria ser tratado. Creio que o ensejo maior do feminismo não é o de querer chamar atenção para sua beleza, charme ou corpo sexy. Se é para exigir respeito ao corpo nu, que seja verdadeiro, a mulher tem que ser o que ela quiser, mesmo que queira ser sexy, desejada, cortejada, ou muçulmana com sua burca. Utilizar a nudez como artifício torto para conquistar adeptos pode ser uma necessidade natural, mas não é condizente com o discurso feminista, pois trata-se de uma prática oposta ao que se prega, que é a de não objetificação do corpo. Se o objetivo é esse, o de ficar popular pelos atributos físicos, que seja, não é errado também, só é hipócrita se é levantada a bandeira do feminismo. É hipócrita utilizar do esquema opressor de objetificação e sexualização do corpo como se estivesse reivindicando o oposto. E pobre. as pessoas tem que ser o que quiserem. Só não deveriam ser hipócritas e oportunistas. Falei.
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