A casa dos meus tios


Os meus tios moram no centro de Ouro Preto; lembro-me bem dos primeiros dias que passei naquela casa, quando vinha a passeio de Ipatinga, dos momentos em que minha tia nos dava papeis e tintas e ficávamos no chão a criar desenhos que eram sempre lindos para ela. A casa antiga tinha um segundo andar com pisos de tábuas velhas, e podíamos ver pelos buracos o andar de baixo, morria de medo de vazar para lá. Lembro-me dos biscoitinhos quebra-queixo, derretiam na boa, nunca mais comi biscoitinho tão gostoso! Era sempre aconchegante, gostoso, e mágico, a cidade me encantava. 

Com onze anos eu me mudei definitivamente para Ouro Preto e as lembranças são das visitas frequentes de todos os familiares na casa dos meus tios. Já que eles moravam no centro, ou na Rua, como gostamos de dizer, sempre que alguém ia resolver uma pendencia, fazer compras ou passear, inevitavelmente passava na casa dos meus tios, sem aviso prévio. Eu não sei bem se eram as vacas magras, mas todo o mundo adorava ir até lá tomar um café da tarde ou filar uma bóia. Eram papos que não se acabavam, bença tia e tio, relação de verdade. Eu não sei se gostavam ou não, mas éramos todos muito bem recebidos. 

Outra vantagem para os parentes é que a casa deles fica em um ponto estratégico, onde muitas coisas acontecem, então, na Semana Santa, por exemplo, a parentaia se empoleira até hoje, um pouco menos,  nas sacadas e janelas para assistirem aos festejos. Enquanto aos meus tios, não sei se algum dia puderam assistir aos acontecimentos de suas próprias casas, mas sempre estão com um sorriso e um café.

Mas, ao que tudo indica, ninguém mais, ou poucos, passam lá para filar rango ou puxar uma prosa. As janelas, que antes ficavam cheias de meninos debruçados e brincando com turistas que lhes tiravam fotos, estão quase sempre vazias. Não sei se ainda há o pãozinho quentinho com manteiga, os bolos, o biscoitinho, o café com leite, mas o carinho, ainda está lá. O que aconteceu com a parentaia? Envelheceu, se desuniu, encheu a pança e perdeu a vontade de assistir à rua e passar boas horas de boa conversa? 

O que aconteceu é que não é mais necessário ir até a casa das pessoas, ao acordar, mandamos figurinhas de bom dia para todos no Whatsapp, feliz aniversário do dia, fotos de bebês, de convalescentes e pronto, nos atualizamos. Acabou a prosa, as risadas, o tempo de exclusividade, comilança simples e gostosa, as memórias, as bênçãos, os abraços. Acabou tudo. Ficamos com as telas e sem lembranças.

Ouça esse texto.

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