O ser humano evoluiu?


A raça humana não evoluiu, no sentido biológico e divino da evolução. Fisicamente, não poderia dizer se as características do cérebro são as mesmas que encontraríamos na época de Sócrates, por exemplo, mas pela complexidade dos pensamentos da época, não parece ter havido muita mudança. O que significaria evoluir biologicamente para os seres humanos, que necessitam basicamente dos poderes cerebrais para sobreviver nessa terra árida? Talvez o cérebro evoluiria no sentido de que o ser humano pudesse nascer preparado para conviver com os outros seres humanos, por que nenhuma espécie pode sobreviver e proliferar totalmente isolada de seus pares biológicos, e essa é uma condição para o ser humano. Então, a evolução da humanidade deveria consistir em se nascer com mecanismos cerebrais que nos possibilitassem sobreviver com os outros. 

Quando estuda-se a humanidade, as áreas do conhecimento se emprestam, às vezes se complementam, mas, na maioria das vezes, se ignoram. Como pensar em estruturas sociais, em sociologia macro, micro, em teorias sobre o movimento da história, se ignorarmos o indivíduo com suas características biológicas e psicológicas? Como ignorar a neurociência? Como podemos imaginar ou supor que os acontecimentos  são por eles mesmos ou por estruturas que os organizam, originam, sequenciam ou culminam, e apenas isso? Parece mais religioso que o contrário.

Naquela época lá do behaviorismo, algumas experiências secretas foram realizadas culminando em catástrofe para suas cobaias, como a experiência onde um dos gêmeos foi levado a "ser" mulher, ou a dos outros três gêmeos que foram separados, colocados em famílias totalmente diferentes e monitorados secretamente. Eu não sei o que foi provado com aquilo além de que seja muito sério tentar manipular vidas de seres humanos e de que as pessoas nem sempre são fruto de imposições ambientais. Há também o caso daquela menina que foi criada com cães; se ela não tiver nenhum problema mental seria indício de, como afirmam alguns cientistas, que se o ser humano não tem contato com linguagem e outros tipos de conhecimento até os cinco anos, ele não será mais capaz de se desenvolver normalmente.

Não sei até onde essas "pesquisas" são verdadeiras ou não, elas apenas nos mostram como ainda sabemos pouco sobre nós mesmos, sobre nosso cérebro e sobre como nos relacionamos e desenvolvemos. Estou a dizer isso porque penso no que aconteceria se, de repente, houvesse um cataclismo e toda a fonte de conhecimento e de desconhecimento, como a internet, se fossem para sempre. Os seres humanos restantes talvez voltariam a viver como no tempo das cavernas e teriam que recriar todos os seus mitos e tecnologias, de uma maneira que não podemos imaginar; acabaria toda a suposta evolução da raça humana. Ou seja, a humanidade evolui de duas maneiras: individualmente (cada um através de sua própria vida, com suas experiências com o mundo, e assim, contribuindo com ele), e socialmente (através da manutenção do conhecimento produzido, armazenado e disseminado). Seria, como gostam os pesquisadores de dizer, uma evolução sincrônica e outra diacrônica. Assim sendo, se não houver mais nada do que chamamos de evolução lá fora, o ser humano será apenas um animal que precisará refazer sua trajetória através de seu cérebro diferentemente preparado em relação ao dos outros animais.

Então, caríssimos, mesmo que filósofos, pensadores e cientistas notáveis, com cérebros mais preparados ainda, e que tivessem acesso a grande parte do conhecimento já produzido, conseguissem desenvolver teorias riquíssimas que poderiam transformar a vida humana de maneira benéfica (porque é pra isso que os grandes pensadores pensam, em sua maioria), nada disso teria valor se o conhecimento não fosse disseminado, aceito e retransmitido. Muitas teorias podem ter sido destruídas em queima de livros, seja por acidente ou por livre intenção daqueles que não conhecem ou que não estão aptos a conhecer a profundidades de tais proposições ali contidas. Assim foi e sempre será. Como proteger a suposta evolução que já conseguimos através do acúmulo e da transformação de conhecimentos gerados por todos esses séculos?

Com o que vemos acontecer hoje no mundo, com o radicalismo e o ódio tornando os seres humanos irracionais e destrutivos, competitivos e cruéis, conseguimos perceber quão frágil é a nossa existência nesse planeta, e quão a merce de nossos instintos de sobrevivência estamos.  O tal instinto de preservação do eu, do qual falei aqui, e que abarca vários aspectos da vida humana, não demanda sempre de reflexões lógicas. As tais da ética e da moral, que criamos para viver socialmente, não dão conta das complexidades humanas. Ter razão deixou de ser racional. 

Imaginemos um individuo que jamais leu um texto completo, consegue  decodificar apenas manchetes de jornais e sempre teve uma vida tomada por atribulações pesadas de uma rotina exaustiva; esse individuo não será capaz de compreender proposições complexas, porque para esse tipo de processamento leva-se anos de muito consumo de informações o que esse individuo não teve e agora, talvez, não queira e não seja capaz de ter. Além do próprio vocabulário, que poderá ser totalmente desconhecido para ele, todas as definições que vem com ele e as conexões intertextuais que esse individuo poderia fazer em relação a história e até mesmo a procedimentos práticos relacionados a esse vocabulário são algo inacessível ou inexistente. O nível de compreensão desse individuo será, consequentemente, diferente do de alguém que cursou faculdade e passou a juventude lendo tratados de economia, literatura clássica e livros sobre filosofia. Não há como as duas pessoas enxergarem as mesmas coisas, simples assim.

Outra consideração a ser feita é sobre o tipo de ideologia que essa pessoa abraçou de acordo com os princípios éticos que recebeu desde sua tenra idade. A ideologia também modifica a maneira como as proposições são apresentadas por um individuo e como o individuo vai se portar no mundo; muitas vezes a agressividade poderá ser tolerada quando em relação ao que representar um inimigo, ou seja, quando o individuo abraçar ideais que para nós são inadmissíveis, dentro da ética de nossa sociedade. mais uma vez surge o instinto de preservação do eu, das minhas ideologias, do que represento e quero representar.

Não estou aqui falando de perigos reais, ou seja, como sobre a condenação de assassinos em série que representem risco verdadeiro à sociedade, falo sobre a intolerância a tudo o que é contrário ao que abraçamos como certo para a nossa sociedade e para as nossas vidas. Nessas horas, quando talvez a parte biológica fale mais alto, podemos agir até mesmo de maneira semelhante àqueles que representam aquilo que não queremos, nesse momento mostramos como somos todos parecidos. A responsabilidade pela evolução da humanidade está em quem decide se temos o direito sobre o ser do outro, ou seja, quem tem o poder de decidir sobre o que o outro deve ser, ou até mesmo se o outro deve viver. Esse tipo de comportamento, o de se sentir responsável pelo julgamento em relação à individualidade alheia, desequilibra a sociedade, porque interfere diretamente sobre o ser do individuo e cria  parâmetros de riscos sociais baseados em ideologias. Não é como se existisse um leão capaz de acabar com a vida de outro ser humano e que deveria ser exterminado, qualquer coisa poderia ser um leão e qualquer comportamento poderia ser uma ameaça. A subjetividade das ameaças do "eu" são criadas e recriadas a todo momento de acordo com o tamanho das informações que possuímos, nossas experiências e a capacidade de reflexão que foi desenvolvida. 

Há muito o que se refletir... Mas eu não penso que a humanidade possa dizer que tenha evoluído. Não com o que os meus olhos vêem a cada minuto.


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