Como vou me virar com a questão dos gêneros?


Está só um pouquinho complicado viver nesse mundo de hoje, mas eu penso que isso não é de agora. Essas invencionices humanas, desde que a linguagem se criou, se formatou ou se liberou,  essas invencionices de nomear e significar, de fazer sentido, discursar, são o que fazem de nós o que somos, seres humanos. Uma palavra não se descola de seu tempo, mas, saindo de seu tempo, pode ser reinventada, resignificada, por diversos motivos e circunstancias, e é por isso que é tão difícil decifrar, traduzir textos que não são contemporâneos. A memória discursiva despertada por uma palavra, o que ela invoca em nosso cérebro e o que ela liga em nossa memória semântica, as conexões e as operações cognitivas que ela permite operar, são, às vezes, indescritíveis. 

Para não discriminar, inventaram a moda de trocar por "x" a letra que designa gênero no português, que são o "o" e o "a". Até mesmo em palavras comuns de dois gêneros, como estudantes, tacaram um x e ficou estudantxs. Em nossa língua, que, segundo esse raciocínio sobre as maneiras de designar, é machista, é regra colocar no masculino a palavra que se encontrar no plural, como "alunos", esteja se referindo a apenas homens, ou a homens e mulheres. Em algumas línguas, há desinências que diferenciam plural só de mulheres, só de homens e de ambos, assim como nomes específicos para cada membro da família e por aí vai, mas não em português.  Em outras, o plural não é marcado pelo "s", mas por outra letra. Em inglês, até onde sei, geralmente não há essas desinências de gênero, mas palavras femininas, masculinas e neutras.

Quando dizemos "a cobra", a palavra cobra é um substantivo epiceno, mas a palavra pode ser considerada como pertencente ao gênero feminino por que ela solicita o artigo definido ou indefinido feminino, e termina em "a"; isso não quer dizer que ela, a cobra, seja uma fêmea. É possível dizer "o cobra", mas a expressão já carrega outro sentido. O mesmo acontece com janela, folha, quati e tudo o mais.

Pois então, gênero, na gramática, não quer dizer sexo, tem a ver com as desinências, concordâncias e esses parangolés gramaticais. Agora, gênero, no cotidiano, quer dizer muitíssima coisa, e como tudo faz parte dos discursos, ou, os discursos fazem parte de tudo, ou, os discursos nos mostram quem somos e onde estamos, as palavras fogem da gramática e clamam por resignificar, ou, por significar o que não pareciam significar até então. A maior discussão é que as pessoas podem não se sentir pertencentes ao gênero sexual que seu corpo disse ser ao nascer, de acordo com as definições de feminino e masculino que temos, ou seja, ter pênis ou vagina, e assim sendo, reivindicam o direito de serem o que elas sentem ser, e assim, serem nominadas de acordo. Isso, na prática, se torna complexo.

Confesso que me perdi nas classificações dos grupos que não se denominam apenas como homem ou mulher, de acordo com as condições de nascimento. Além da questão de não se sentirem pertencentes ao sexo escrito na certidão de nascimento, há a questão da sexualidade, ou seja, a pessoa pode ou não se sentir homem ou mulher, de acordo ou não com o gênero sexual original, mas ainda assim, pode querer, desejar, ou ter nascido para se relacionar com pessoas de sexo diferente, mesmo sexo, ou com todos eles, ou ainda, com nenhum deles e dezenas de variações. Então, a questão é sobre a identidade e sobre a sexualidade.

Essa ideia de colocar o "x" como desinência pode ser interessante para a militância, mas não é nada prática. Primeiramente, não há como pronunciar essa bagaça; outra coisa, impede a leitura eficiente para os programas de acessibilidade para deficientes visuais. É apenas simbólico e denota a posição de quem escreve a mensagem. Então, como conversar, nominar, chamar por alguém sem ofender? Devemos clamar por Alah para que nos mostre as designações, as desinências e os substantivos apropriados? Como saber se a pessoa que está entrando no banheiro feminino, mas que possui trajes, corte e trejeitos considerados socialmente como masculinos, deveria entrar naquele banheiro ou  não, e se a pessoa gostaria de ser tratada como "a" ou "o"? Deveria existir um banheiro "x"? São questões que a sociedade precisa tentar resolver.

Alguns nos dizem para evitarmos usar palavras que precisem de designações de gênero, que usemos palavras genêricas, ou substantivos sobrecomuns, como "pessoa", que utilizei acima. Outros dizem para perguntarmos diretamente para a pessoa como ela gostaria de ser tratada, mas sabemos que isso não é um troço fácil de se fazer em nossos dias. Só por eu estar questionando esse uso do "x" poderia ser acusada e apedrejada por intolerância, quando o meu intuito é refletir sobre a intolerância e as ações atuais. Não está fácil saber como lidar com as peculiaridades, como nunca foi. Um dia, em um seminário, um rapaz apresentava o seu projeto que iria falar sobre pessoas transsexuais que possuíam canais no YouTube; quando me atrevi a comentar que um rapaz  da pós graduação da minha universidade faria um trabalho sobre a travesti Pabllo Vittar, ele quase me fuzilou com suas palavras artificialmente polidas, dizendo que Pabllo Vittar era travesti e uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Obrigada por me informar.

Então, meu povo, a discussão é essa: O que faremos para tratar dessa questão de designações, desinências e intolerâncias? Não faço a menor ideia.



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