Reflexão dos 40 e poucos.


Meus contornos já não são tão retilíneos e quando me vejo, me assusto com a pessoa que é retratada, não sou eu! Eu ainda me sinto com dezoito anos, embora exausta, sonolenta e insone, se possível, e com os fios que insistem em branquear. A barriga, há muito se desfigurou, assim pensava, hoje, não. A barriga é a barriga de um ser humano que já teve filhos, linda. Se é uma bola, como dizem algumas crianças sinceras, ou caída, isso quer dizer que ainda vivo e ela está lá. Em breve, muitos mais fios brancos aparecerão e terei que tomar a escolha de assumi-los ou passar por torturas periódicas (pois é assim que vejo o salão de beleza). Oh, meu Jesus, que mal eu fiz para ficar decadente?

Serei ainda amada e desejada, enquanto que esqueletos esbeltos e serelepes continuam a nascer e a se proliferar sobre a terra? Quantas madeixas volumosas, quantas peles de pêssego ainda virão enquanto murcho e definho. Os olhos já não vêem e a mente, capenga. A postura se desconfigura e a frescura se esvai.

Por quê? Oh, existência cruel!

Caminho, achando-me adolescente e contrariando-me com a imagem refletida. Não sou aquela. Não tenho aquilo. Não sou aquilo. Ou, talvez eu não esteja enxergando direito o que vejo! Talvez, aquela imagem seja a mais bela que eu já tive, a mais rica e decidida, a mais cuidada e nobre. Talvez eu esteja míope ou cega pelas palavras alheias, pelas ideias distorcidas. Talvez eu seja a mais bela que já fui, hoje, agora, com a minha mente eternamente desejosa, e o meu corpo plenamente desperto.

Oxalá, eu me torne um vinho, ou um queijo provolone, velha, mofada e gostosa. Piadinha sem graça, eu sei, mas tem gente que gosta.

Comentários