Ouro Preto é uma cidade de grande valor histórico para o país, pois foi cenário de grandes acontecimentos, sejam lá quais versões aceitas no momento pelos historiadores. Não há como negar que na época da grande exploração aurifera, Ouro Preto teria sido, talvez, a cidade mais importante do Brasil, onde encontravam-se pessoas de todos os lugares do mundo. Havia tanta gente, que a comida era escassa, causando a "grande fome", época em que morreram muitas pessoas por falta de alimento, mas com o ouro na mão. Imaginem quantos personagens não passearam por estas ruelas geladas, e há relatos de que nevou em Ouro Preto em 19 de junho de 1843! Quantos homens e mulheres escravizados, "gringos", e, posteriormente, artistas e pensadores, não viveram grandes emoções por aqui?.Santos Dumont, Sartre, os modernistas, e tantos, tantos outros, que não há como mencionar. Poetas, de ontem e de hoje, pintores, músicos, fazem parte de todas as famílias da região. Uma cidade que preservou seu conjunto arquitetônico, mas está se esquecendo de sua história.
Há muitas Ouro Pretos. Há a cidade dos estudantes, a dos moradores, a dos turistas, a dos artistas (que, muitas vezes, mistura todas as categorias). Há os eventos anuais, como o carnaval, o Festival de Inverno, O Festival de Cinema, a Semana Santa (hoje um pouco mais "gourmetizada", com diria meu marido). Nos centros histórico, com casas antigas e cheias de problemas, estão localizados os comércios e as moradias dos estudantes da UFOP, além de algumas casas de moradores que vieram de fora e compraram por preços exorbitantes os lares de senhoras que estavam morrendo; há ainda casas de alguns poucos ouropretanos que tiveram a sorte de herdar ou de comprar. Pelos morros e beiradas da cidade, está o povo de verdade. Gente simples, que há pouco tempo conseguiu entrar na universidade da cidade, o que era raro. Gente que tem superstição, que reza terço, faz novena, toca violão, acredita em assombração, pinta, canta, e trabalha para os "caras" que compraram os casarões, como empregados domésticos ou como funcionários de seus comércios. Alguns poucos conseguiram se efetivar na universidade, no IFMG, ou na prefeitura, através de concurso, ou pelo tempo de serviço, na época em que não existia concurso. A maioria dos funcionários das instituições é terceirizada, fica na instituição por 10 horas diárias e ganha um terço do que ganha um funcionário efetivo (viva Temer!). Outros trabalham para as mineradoras, ou, hoje, estão desempregados.
Existia uma guerrinha entre os Jacubas e os Mocotós. A praça era o Morro de Santa Quitéria que separava o Antônio Dias do Pilar. Antônio Dias era dos pobres, que comiam Jacubas, gororobas de fubá e sabe lá quê mais. Os Mocotós, comiam mocotó, viviam no Pilar, e quando se encontravam com os Jacubas, o pau comia. Hoje, a desavença fica por conta dos estudantes e dos nativos, que se bicam de vez em quando por aí, como quando republicas desrespeitam missas e colocam som nas alturas. Nativo é povão da cidade, nascido e criado.
Sartre em Ouro Preto |
Por muito tempo, nativo era excluído e se excluía de muitos dos acontecimentos culturais; esses eram só para a elite, para turista, para estudante, para gente de fora, os forasteiros. Felizmente, nativo, aos poucos, está ocupando seu lugar na cidade, que não é um museu. Existe gente dentro dela! Mas ainda é difícil participar de um festival de vinho, por exemplo, onde uma taça de vinho custa 15 reais. Nessas horas, é melhor se juntar com os estudantes dos alojamentos e encarar um bom Cantininha da Serra na Rua Direita. Ao menos, hoje, isso é possível.
Guignard |
Nativo faz artesanato, canta em barzinho, faz universidade (aleluia!), canta no coral, faz personagem na semana santa, faz churrasco e toma umas no fim de semana, além de muitas outras coisas. Porém, nativo ainda não ocupou todos os espaços, visto que Ouro Preto, apesar de ser uma cidade turística, parece uma cidade fantasma nos fins de semana, e esse é o ponto!
Em alguns fins de semana acontece o Corredor cultural no centro, mas isso é raro. O que vemos quando caminhamos pela cidade nesses outros dias, é o nada. Pouquíssimos bares e restaurantes, e nenhum outro tipo de comércio, isso por que a cidade é essencialmente turística, que ironia.
Niemeyer em Ouro Preto |
Ouro Preto é um tesouro jogado às traças. Nesse fim de semana, fomos ao Parque do Itacolomi para fazer um piquenique, mas o parque não abre fim de semana! Que dia o trabalhador comum poderá visitar o parque? Sem mencionar que fim de semana devem ser os dias em que há mais turistas na cidade. Absurdo! O Horto Botânico, opção maravilhosa para passeios e eventos, mal reabriu e já fechou as portas! E o Morro da Forca? De vez em quando acontece um evento de rock, mas e no restante da existência? Antigamente, era uma opção para sairmos com as crianças, soltar papagaios, fazer piquenique, mas hoje, temos até medo de passar pelo portão. Está totalmente abandonado!
Morro da Forca |
Ouro Preto não é só a sede. Distritos que poderiam se integrar mais, ser transformados em alternativas para o turismo, seja ecológico, gastronômico, ou mesmo histórico, estão definhando por falta de recursos. Aparentemente, não existe uma cooperativa para promover o crescimento, não há nenhuma iniciativa da prefeitura.
É triste ver tanto tesouro negligenciado, ainda mais em um período tão triste de nossa história, quando o pessimismo impera. Juntamente com todo esse retrocesso que estamos assistindo passivamente, vem o desânimo de ver que, o que importa é relativo e depende de quem tem as cartas, e quem tem as cartas, é sempre quem sabe jogar e blefar, e não quem fará bom uso do prêmio.
Luar sobre Parador - filme americano gravado em Ouro Preto |
Para terminar com um sentimento mais leve, recordo-me de uma passagem que li no livro feijão, angu e couve sobre um forasteiro que visitava nossa cidade lá nas épocas do ouro. Ele se assustou com a escassez de hotéis e com a culinária da época, reclamando da iguaria que chamou de cataplasma de feijão. O tal cataplasma, nada mais era, que o nosso maravilhoso tutu! Será que essa maravilha surgiu em Ouro Preto? Seria apenas mais uma, em meio a tantas que surgem nesse caos. Que das trevas, venha a luz!
Cataplasma de feijão. |
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