Qual o seu limite?


De tanto pregar e desejar a tolerância, fui me tornando intolerante, na visão de alguns; por desejar tanto que todos tivessem o direito de ser quem quiser, passei a desejar estar longe dos que não são como eu. Para os parâmetros atuais da maioria das minorias, tornei-me preconceituosa e moralista. Para outras minorias maiores, tornei-me louca.

Não há como viver sem parâmetros. Não há maneira de ser feliz sem assumir o que não gostamos, não podemos aceitar que tudo  e qualquer situação que nos machuque seja normal. Quando digo "aceitarmos que tudo seja normal", significa que precisamos estabelecer regras, comparações, níveis para o que podemos aceitar dentro de nossas vidas. Quando digo "aceitar", digo permitir que atinja o nosso ser. Quando digo permitir, quero dizer apenas escolher querer conviver ou não  com alguma situação que nos faça mal. 

Não temos o direito de aceitar ou não que o outro seja algo, ou haja de determinada forma. Não temos o direito de aceitar ou não que o outro faça o que quiser e seja quem quiser ser. Mas temos o direito e o dever com nós mesmos de zelar pelo que pensamos ser a melhor maneira de levar nossas vidas. 

Tolerância significa admitir que há outras maneiras de ver e de viver, e que todos tem os mesmos direitos que nós às suas escolhas. Tolerância é não querer ferir, maltratar o outro por ele ser diferente. Tolerância é respeitar o outro como um ser idêntico a nós, com todos os direitos e deveres, especialmente, o direito de ser totalmente diferente de nós.



Quando estabeleço parâmetros do que é aceitável, suportável, preferível, apenas estou dizendo que me sinto mais confortável convivendo com algumas situações e não com outras. Ninguém deve ser forçado a agir de maneira que não lhe pareça natural, fira ou cause algum tipo de dor, assim como não podemos obrigar ninguém a viver sob determinadas condições, ou causar constrangimento ou dor ao outro. Mas, precisamos sim, estabelecer parâmetros para nós mesmos.


Ter respeito e tolerância não quer dizer se colocar em situações desconfortáveis. Quer dizer que, quando necessário, podemos conviver com as diferenças, sem discriminá-las, sem julgá-las, ao menos publicamente (porque julgamos o tempo todo). 

O mundo anda insuportável. Em nome das lutas das minorias (dentro das quais me incluo em muitas, e são necessárias para que haja mudanças), muitos querem impor suas visões de mundo, mesmo que de maneira violenta.  Esquecem alguns que vivemos dentro de uma sociedade com outras tantas minorias e maiorias, e que sociedade quer dizer "grupo humano que habita em certo período de tempo e espaço, seguindo um padrão comum; coletividade". Há muito que se evoluir para que sejamos totalmente independentes e não nos rendamos a muitas das regras sociais sem sofrer consequências. Talvez, nunca aconteça. Porém, mais importante que as regras sociais, são nossas regras pessoais. O que não suporto em minha vida?


A escolha é pessoal. Posso escolher não querer em minha vida drogados, assassinos, evangélicos, petistas, comunistas, liberalistas, negros, prostitutas, muçulmanos, mulher com cabelo no sovaco, gente que mastiga de boca aberta, animais, ter filhos, gente com cabelo crespo, gente branquela, gente gorda, fracotes, psicopatas, ladrões, pessoas bonitas, pessoas feias, pessoas pobres, pessoas muito ricas, pessoas que não tem carro, pessoas que bebem, pessoas que não bebem, pessoas que gostam de sertanejo ou funk, pessoas que gostam de MPB, feministas, machistas(que não é o oposto de feminista), traidores, gente muito franca, gente muito tímida, gente que deixa cabelo no ralo, gente que fuma, gente que deixa toalha molhada na cama, gente com risada esquisita, gente que usa roupa antiga, homossexuais, anões, e qualquer coisa que eu julgar não me agradar. Quanto a validade de meus critérios, isso é uma outra discussão, que também será regulada por critérios ideológicos. Não existe educação ou política sem partido, sem escolha, sem ideologia. Tudo é escolha. 


Neste ponto, meu texto se torna quase que contraditório... Mas, apesar do fato de que há  alguns poucos pervertidos (será que estou julgando?) que sintam prazer em viver na dor, creio que a maioria das pessoas desejem viver em paz, sem sofrimento. Para que haja paz, já que vivemos em sociedade, precisamos respeitar as regras sociais, lutando para que se tornem mais justas, e precisamos respeitar nossas regras internas. Precisamos respeitar as diferenças, admitindo que elas existam, mas que não somos obrigados a confraternizar com elas, por que, apesar de todos sermos igualmente humanos e possuidores dos mesmos direitos, cada um constrói sua identidade de uma determinada maneira. O valor maior é o respeito a essa individualidade, a essa diferença, tendo em vista a nossa própria individualidade e diferença. Muitas coisas são intoleráveis para mim, mas nem por isso vou fazer ao outro algo que não desejaria que fizessem comigo se não me tolerassem. Eu, simplesmente, não sou obrigada a tornar parte de minha vida algo que me faça mal. Cada um no seu espaço, sem interferir na individualidade, mas todos com a consciência de que cada um tem o mesmo direito e o dever com toda a humanidade. E, quando digo, cada um no seu espaço, não quero dizer segregação. O mundo é de todos, e precisamos conviver com todos em nossas práticas sociais; o que não precisamos, é ser íntimos ou fingir ser algo que não somos, ou, ainda, aceitar em nossa intimidade algo que nos fira. Ninguém é obrigado a conviver com seus demônios. Mais respeito, menos violência e menos hipocrisia.

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