Por que eu sou de esquerda?



Eu sou uma ignorante em diversos assuntos e assumo isso, porque é a verdade, o que muitos não fazem. Eu admito que não li todas as obras de Marx, não sei o suficiente de economia para me tornar ministra e muitas coisas das quais penso saber, preciso pesquisar antes de falar sobre elas. De uma coisa eu sei, eu sou pobre, menos que antes e espero que mais que amanhã, mas sempre fui pobre. Quando era criança, sonhava em ter uma casa no centro de Ouro Preto, ter calças jeans, ter comida. Passei perrengues, mas minha mãe e tias passaram infinitas vezes mais, sofrendo com a miséria e com a violência doméstica criadas pelo machismo que levou meus dois avôs, o paterno e o materno, a se suicidarem quando meus pais ainda eram bebês. Antes de morrer, meu avô materno não havia deixado de amarrar suas filhas em pés de bananeiras e espancá-las, além de inúmeras outras atrocidades que cometeu durante sua existência inútil.

Eu sei o que vivo diariamente; sei que o meu filho ficou um ano trancado num quarto estudando para passar em medicina e, mesmo agora, depois de passar, me pergunta se suas roupas estão adequadas ou vão confundi-lo com um marginal por ser preto. Sei que meu outro filho também já sofreu racismo, foi seguido, revistado, sei que ele também tem medo.

O que vivo me diz, quando eu vou ao supermercado, que eu nunca serei rica, porque não importa nada, o lucro sempre vai gritar acima das vidas humanas e é por isso que, mesmo com o agronegócio batendo recordes anuais de lucro, a comida na mesa de nosso país está cada vez mais cara e inacessível; qual a lógica disso? Eu sei que muitos empresários escravizam pessoas (ainda) para lucrar  em cima do sangue e do suor dos trabalhadores enquanto vendem "vinhos para consumidores de alto padrão".  O pior é que todos sabem disso e muitos não se chocam porque acham que estão em um patamar superior e que isso não diz respeito a eles; essas pessoas são como os pretos que eram pagos para perseguir, caçar, torturar e até matar sua própria gente por causa do degrau a mais em que supunham estar.

Muitos brasileiros querem matar os pretos, os baianos, todos os nordestinos, as mulheres, os ateus, os professores, os universitários, os que se definem de forma diferente em questão à sexualidade e ao gênero, e por aí vai a lista; eles querem matar, exterminar, sangrar, atirar com suas arminhas e acabar com o que chamam de escória da humanidade, de vagabundos, de marginais. Isso não é uma hipérbole.

A maioria dessas pessoas, e de todas as outras, pensa que só há uma maneira de viver, de existir e de ser, socialmente e economicamente, como se o mundo sempre tivesse existido desta forma e aqui tenhamos chegado em um ponto final da história. É para isso que serve a história, para sabermos que os seres humanos já viveram de muitas formas diferentes, que a economia também já funcionou de diversas maneiras e que estamos sempre em um processo de mudança. 

Estudar também serve para sabermos que já existiram diversos deuses no mundo, diversas religiões e livros sagrados, e que a bíblia é apenas mais um deles, assim como o cristianismo é só mais uma religião que parece ter aproximadamente 2000 anos, apenas; serve para nos perguntarmos por que, como, onde, como, por quem e com que interesses, pois sabemos que o ser humano se move por objetivos, interesses, todos os seres humanos. A ciência serve para que tenhamos respostas confiáveis por possuir métodos de comprovação, apesar de não ser irrefutável, como deus parece ser. A ciência serve para nos dizer, por exemplo, que penicilina mata bactérias e extende a vida da humanidade, assim como a vacina, que erradicou a poliomielite do Brasil há alguns anos. Para isso é que servem as universidades, para melhorar a vida dos seres humanos através do conhecimento, da ciência.

Sabe o que é ser de esquerda?

Não é acreditar no totalitarismo como premissa para a liberdade, mas crer que, para que haja uma distribuição de riquezas justa, é preciso que o Estado aja para que isso aconteça, regulamentando. Não, queridos, vocês não ficarão ricos sendo empreendedores Uber, vocês são uma força de trabalho que sustenta toda a estrutura. Se um trabalhador "Uber" ou "Ifood" trabalhar 18 horas por dia, todos os dias, o dinheiro que ele vai ganhar não vai dar para comprar uma casa, essa é a realidade. Não é questão de trabalhar muito ou pouco, é como as coisas são. O filho do Bill Gates não precisa trabalhar, ele é dono de tudo, ele é dono do trabalho das pessoas, ele herdou sua posição, seu status, seu dinheiro e seus contatos privilegiados, um Uber NUNCA será Bill Gates. Enquanto o motoboy passa dias e noites entregando lanches e passando fome, um capitalista paga milhões em obras de artes enquanto seus funcionários levam choque para trabalharem sem reclamar; esses funcionários que trabalham mais que 18 horas por dia jamais terão condições de ter uma vida digna, mesmo trabalhando mais que qualquer um na sociedade.

Então entra a questão da produção e da distribuição de riquezas. Quem produz a riqueza, o milionário? Não, fofos, são os trabalhadores. Quem se apodera de todos os bens de produção, dos terrenos, das matérias primas, das influências, este não produz riqueza, ele só se apropria do que os outros produzem. Não estou falando do senhorzinho da padaria, mas dos grandes que dominam toda essa bagaça, os que podem tirar um ano de férias e não passar fome. Estes ficam com toda a riqueza que os trabalhadores produzem, então, a realização da distribuição de riqueza é simplesmente lógica.

O Estado não tem que dirigir nossas vidas nos mínimos detalhes, ele tem que tomar conta  dos interesses sociais, das necessidades básicas, como saúde, segurança, educação, e isso envolve a economia.

Não quero me alongar mais ainda, mas, para terminar, preciso dizer que tudo o que vivemos hoje, da forma que vivemos, serve ao capitalismo muito bem, aliás, é o capitalismo; o primeiro e principal problema da sociedade é este, o capitalismo e seus valores equivocados que levam os oprimidos a concordarem com, e a quererem ser opressores. Os valores do capitalismo nos dizem que devemos querer lucros sempre crescentes, devemos levar vantagens, devemos lutar para estar acima dos demais, e é atrás disso que vamos em busca. Os discursos ideológicos e as estruturas sociais nos impedem de imaginar uma outra possibilidade de sociedade, nos impedem de mudar a realidade, estamos presos, presos na miséria, desejando matar nossos irmãos, primos, tios. 

Nunca houve uma sociedade comunista, como foi descrita. Não sei se algum dia haverá. Mas, o comunismo descreve uma sociedade em que não haja exploração do homem pelo homem, e em que todas as necessidades sejam sanadas, em que o trabalho retome o seu sentido que é o de produzir, criar, transformar, que tenha seu ciclo completo. O Brasil está a milênios de pensar em comunismo.

E é por acreditarem que um mendigo pode ser o que quiser, e que, se não o é, é porque não se esforçou o bastante, ou que um preto não vem depois de um branco na avaliação social do nosso país, é por dizerem que não há machismo, nem homofobia, mesmo que os dados mostrem absurdamente o contrário, é que o Brasil e as pessoas vão continuar nessa miséria violenta, onde pobres se matam, pretos se odeiam e alguém atira no outro todos os dias por acreditar e querer estar em um patamar superior, quando deveria desejar ter paz e prosperidade, para todos, para a sobrevivência da própria humanidade.

Sei que quem deveria ler não leu nem a metade, se é que alguém lê hoje em dia. Não sou a dona da verdade, não sei de nada, mas sei que o desejo de ser mais e o ódio pelo diferente, a negação da ciência e a idolatria destroem as únicas coisas que realmente preenchem e dão sentido a vida, que é a boa convivência em sociedade e o pertencimento a um grupo primordial que se chama família.


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