O que é História Pública? Para o meu amor


Sou casada com um historiador e tenho um filho músico e estudante de jornalismo, em minha casa há muitas discussões sobre diversos temas, e como minha irmã bem disse, "até imagino vocês dois discutindo, deve ser uma chatice!" Ela se referia exatamente aos possíveis temas, assim como a maneira de interação, e acho que ela não estava errada. Mas, apesar dos acalourados debates nas tardes, noites, e almoços de domingos regados a cervejas e vinhos, essas discussões são elementos que me ajudam a crescer como ser humano e me levam a procurar por informações que antes deixava a "Deus dará". O meu jargão se tornou "o que significa ética?", por causa de uma das maiores querelas que vivemos. 

Quando pergunto "o que é ética" ou, o que é "comunismo, fascismo", é por causa da necessidade  de entender exatamente sobre os conceitos que estão embasando as posições dos meus interlocutores e, aproximadamente, o que eles querem dizer quando dizem o que dizem. Eu já disse que sou mestranda em Letras? Pois é. 

Os dizeres falam sobre o seu tempo, sua historia, sua narratividade e sobre eles mesmos. De acordo com a teoria da Análise do Discurso, quando dizemos, proferimos um discurso, há dois esquecimentos: o de que aquilo já foi dito por alguém e o de que aquilo poderia ter sido dito de outras formas. Os sentidos e significados do que dizemos estão na materialidade do discurso, em como ele é proferido e nos elementos que o compõem, mas para compreendê-lo, ou seja, para que as pessoas se entendam minimamente, é preciso que compartilhem informações, conceitos, pré-conceitos, pré-discursos.

Dito isso, digo ainda que introduzi-me na querela sobre História Pública e História Oral através do meu amado. Participei de alguns eventos, aproveitando o ensejo de que o meu trabalho, que é sobre narrativas de ex-internas da FEBEM de Ouro Preto, pode se encaixar nessas áreas. Não preciso dizer que, inúmeras vezes, fiz as perguntas: o que é história oral e o que é história pública?

Bem, segundo os estudos e palestras que presenciei, História oral seria uma metodologia para conseguir fontes, ou seja, narrativas históricas coletadas através da memória de pessoas que vivenciaram algum acontecimento ou até mesmo que sabem sobre tal acontecimento; seria uma nova perspectiva historiográfica, a voz seria dada ao outro lado, aos excluídos, aos que não tinham voz até então. Seria através do trabalho do historiador ao colher e analisar essas fontes, com todo o seu conhecimento e metodologia de análise que uma nova perspectiva histórica poderia surgir.

Sobre História Pública, de meu humilde lugar de estudiosa de Letras, penso que hoje trata-se mais de uma discussão do que de uma definição clara e objetiva. Para a academia americana, parece que a questão de História Pública está mais ligada ao mercado de trabalho, ou seja, o interesse em criar cursos de História Pública na academia significaria gerar possibilidades mercadológicas para os historiadores, quer dizer, permitir que os estudiosos da história se tornem habilitados para trabalharem para os cinemas, museus e outras áreas que precisem lidar com a história de alguma maneira, e não apenas tenham que ficar atados às salas de aula e pesquisas acadêmicas. No Brasil, a História Pública parece abraçar dois sentidos,  e clamar por duas tarefas, as de fazer uma história para o público e através deste; isso significaria não limitar a história àss salas de aulas e academias e torná-la acessível para o público, através da adequação da linguagem e de seus meios de transmissão, e, por outro lado, aceitar ou até mesmo promover a participação do público leigo na construção da história. Então, senta que lá vem discussão sobre as formas e a legitimidade desse público na construção da história.

A história oral seria uma dessas formas de construção conjunta da história, mas o que dizer sobre cinema, programas, eventos, que escrevem a história e a transmitem a seu modo, sem nenhuma metodologia analítica de um historiador que é formado para isso? As manifestações folclóricas, os mitos, os rituais, seriam as fontes da História Pública? mas de que maneira elas nos contariam a história?

Então vem uma outra querela lá de casa, sobre as narrativas. O problema é que na história, o conceito de narrativa é diferente do que é para Letras. Diz-se narrativa o modo de se fazer história em que eram apenas narrados os grandes feitos dos heróis, resumindo toscamente. Depois dessa forma de se trabalhar a história, surgiram outras, uma que tirava totalmente a ação do sujeito, ao que me parece, seria escrever história de conceitos, como "História da literatura", corrijam-me, historiadores. Mas, como diz meu debatente favorito, essa questão já foi resolvida e não há como tirar o sujeito da história, assim como também não dá para ficar contando historia de heróis. Mas a querela é sobre como a história é reconstruída, obviamente, através das narrativas; Não há uma história sem um início, um meio e um fim, seja esse fim dizendo que ainda não está no fim. Bom, e como o historiador ligará suas fontes, fazendo conexões críticas com os diversos conhecimentos de que tem em mãos, essa é a questão. Então, sim, penso que quem irá institucionalizar e transmitir a história precisa de um mínimo de preparo. A responsabilidade dos símbolos e dos discursos que farão parte da formação social não deveria estar a cargo do público leigo; o público seria fonte, não fazedor de história, seria participante, agente, não historiador.

A história oral, ou narrativa de vida, são fontes. A maneira como serão analisadas é o que importa. Eu sei, porque estou no purgatório do fim da dissertação e ainda estou perdida na análise dessas narrativas riquíssimas, porque no meu caso, da análise das narrativas e do discurso, o que importa não é apenas o que dizem (até porque não podemos tomar como verdade absoluta as questões da memória), mas também como dizem e por que dizem. Para fazer essas análises, é preciso de um preparo horroroso do qual ainda me vejo faltosa.

Bem, para finalizar, pensemos na questão das Fake News e imaginemos então um novo conceito, o de Fake History, se já não existe; temos muitos exemplos de novas versões da história, que colocam os africanos como  cúmplices e responsáveis pela escravidão no Brasil, que dizem que os índios foram exterminados por eles mesmos e por aí vai longe. Seria isso parte da história pública? Tornar público de maneira simplória versões históricas criadas por leigos, ou por militantes desejosos de criarem uma nova história mais agradável aos seus ideias? Quem tem a legitimidade para o redigir da história?

Apenas discussões caseiras e uma visão de uma estudante que pensa muito nesse mundo maluco de hoje.

Beijos.

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