Eu já fui muita coisa nesse mundo, a maioria delas não era coisa boa. Quando criança era a leoa, exatamente pela coisa que uma leoa não tem, que é uma juba. Testão brilhante, depois ganhou um plus de espinhento. Pernas finas de bambu, ainda as tenho, mas o resto não continua fino. Diziam que quando ficasse velha eu seria igual a um boi de chuchu, pernas finas e corpo grosso, adivinharam essa. Será que sou feita de um vegetal insoso com uns palitinhos enfiados? (Ao menos as notícias atuais dão conta de que o chuchu é muito saudável).
Quando adolesci, me chamaram de esquisita, bunda aberta, disseram que eu era igual a um robô, metida, lerda, avoada. Caso interesse, sou como Paulo Freire, ele dizia que havia nascido sem bússola, sou eu. Eu me perco em lugares que frequento há anos e nunca sei quando estou chegando na rodoviária de Belo Horizonte, e, por favor, turistas, não me peçam informações na minha cidade! Ás vezes posso passar por conhecidos e não percebê-los, ou, às vezes, posso percebê-los, mas se eles não me perceberem, não os incomodo, vocês nunca saberão qual é a situação.
Também fui a rancorosa, extremamente fria e ciumenta. Não nos esqueçamos de grossa! Também já fui egoista, machista e até facista! Eu devo ser um monstro, meu Deus, nem eu queria ficar perto de mim! Devo ter arrancado as cabeças das criancinhas, deixado todas com fome e as abandonado a sua própria sorte, ao relento. Devo ter comprado um frango assado inteiro e comido enquanto elas estavam famintas, lambendo os beiços e chupando os ossos na frente delas e depois deixado todas sem internet. Eu sou má. E olha que sou feita só de chuchu e palito, não posso ser tão má.
A minha ruindade nunca acaba, acho que, infelizmente, vai ser até a morte. Talvez morra sozinha e não haja ninguém para jogar uma mão de terra no meu caixão, é a vida. Ou, é a morte. Porém, incrivelmente, nessa lama de horripilancia, uma voz doce* me disse coisas que não estou acostumada a ouvir, uma delas é que sou amorosa. Disse que sou talentosa e artista também, mas essas são algumas das poucas palavras que me acompanham desde pequena, embora não tenha ainda feito nada que considere extraordinário com elas. Mas, amorosa, é novo para mim. Não sei se sei ser amorosa, mas sou nua e crua e com pauzinhos espetados, alguns deles fincaram o coração. Apesar de tudo, de ser uma reles chuchu, se me plantarem, me regarem, me derem raios solares, eu cresço e me espalho e dou frutos até cairem para fora de casa. Infelizmente, não é todo o mundo que gosta de chuchu.
*Rosana Leandro, obrigada pelas doces palavras.
Eu adoro, principalmente se estiver acompanhado com bacalhau
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