Farinha luminosa


A noite era estrelada, tão estrelada como se alguém tivesse derramado farinha de trigo luminosa num pano escuro. Era tão linda, tão mágica, eu não conseguia deixar de olhar para aquela formosidade.Tinha lá os meus 9 ou 10 anos, e nós costumávamos deitar um lençol na calçada, animados por uma noite quentíssima de verão na jovem Ipatinga, nos aconchegarmos e assim ficarmos por horas olhando, imaginando e nos fazendo perguntas existenciais. A vida me parecia tão misteriosa e os sonhos tão fantásticos e distantes, minha  esperança estava em algum lugar bem longe, talvez lá com aquela farinha fluorescente... Demoraria tanto até que eu me encontrasse, que eu descobrisse os segredos do universo! Até pensei ser imortal tamanho era o tempo que ainda tinha até descobrir e ser alguém. Eu não existia, eu era um sonho, um futuro.

Como o cheiro daqueles dias eram incomparáveis, tão doce! O meu coração disparava com os meus devaneios, agitado pelas noites acaloradas e alimentado pelas estrelas animadas.

Olhando aquele céu eu me transportava para o além de mim, para onde não existia tempo, para onde o mundo era como nos sonhos, perfeição e sensações agradáveis permeiando os meus passos; Lá, num futuro ou num passado, eu era feliz.

Quantas estrelas cadentes eu vi! Quantos desejos elas levaram consigo, quantos sonhos, quanta esperança! Por que será que nunca mais vi estrelas cadentes? Será que não existem mais pedaços de corpos celestes vagando pelo céu? Será que todos os desejos já foram feitos, por isso elas não tem mais razão de ser? Será que eu apenas deixei de acreditar e fiquei muito cansada para olhar pro céu?

Eu não olho mais as estrelas, nem me pergunto o Porquê de nada e nem me transporto para o além. Fiquei muito cansada com os problemas de gente grande e achei que isso era besteira, resolvi ficar no presente mesmo. Amanhã, quem sabe eu me canse desse pano negro e resolva jogar farinha fluorescente por cima dele, voltando a sentir todos os aromas e sensações que experimentara por horas a fio deitada naquele simples e surrado lençol?


Comentários

  1. Lindo Lu, precisamos mesmo lembrar desses tempos bons e jogar farinha no pano negro para podermos perder horas olhando o céu que perdemos nas correrias de gente grande.
    Linda reflexão.
    Abraços.

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