Pequena análise discursiva de um suposto texto do padre Fábio de Melo



Hoje eu recebi uma mensagem atribuída ao Padre Fábio de Melo, que me fez refletir sobre como as mensagens são disseminadas e são interpretadas por seus receptores. A mensagem era essa:

Eu cresci comendo a comida que minha mãe podia colocar na mesa, sempre respeitei minha mãe e as pessoas mais velhas... Tive TV com 3 canais e não mexia para não quebrar, e antes de sair para escola arrumava a minha cama... 

Fazia o juramento à bandeira na escola, bebia água de torneira, andava descalço, tênis barato e roupas sem marca, não tive celular, nem tablet e muitos menos computador... 
Ajudava minha mãe nas tarefas de casa, e não achava que era exploração infantil, tinha horário para dormir.

Quando tirava boas notas não ganhava presentes, porque não tinha feito mais que minha obrigação. Notas baixas era castigo, apanhava quando aprontava e isso era apenas um corretivo e não caso de polícia!!

E não sou revoltado, não faço analise em médico, e não falta nenhum pedaço em mim.
Menos frescura e mais disciplina para essa geração!!!! É disso que o mundo e as crianças estão precisando!

Ordem, Respeito, Disciplina, Bondade, Educação, Obediência e Amor...
Por um mundo onde não haja só direitos, mas também Deveres!

Se você também faz parte dessa elite, COPIE E ENVIE para mostrar que sobreviveu. 

Padre Fábio de Melo

Depois de algumas reflexões sobre a mensagem, pesquisei para ver se o autor teria mesmo sido o tal padre, e, de acordo com esse site, não era. Bem, o autor então seria desconhecido, e sem a autoridade aclamada de um padre. Qual seria a intenção de distribuir uma mensagem como essa, dando-lhe uma legitimidade que não tem? Talvez, o autor só quisesse ver seu texto famoso, como os que atribuíram os seus textos ao Luis Fernando Veríssimo e à Cecília Meireles, ou talvez, o autor e os que concordam com o que diz a mensagem, gostariam de fortalecer a ideologia que tinham sobre a criação de filhos. Mas, o que diz a mensagem? Vamos por partes:

Eu cresci comendo a comida que minha mãe podia colocar na mesa, sempre respeitei minha mãe e as pessoas mais velhas... Tive TV com 3 canais e não mexia para não quebrar, e antes de sair para escola arrumava a minha cama... 

No primeiro parágrafo, o autor, ao dizer sobre a comida que a mãe podia colocar, utilizando a mãe, e não o pai, como seria comum ao se referir ao provedor quando falamos de um passado não muito distante, revela que ele poderia viver apenas com a mãe, e que essa era quem  colocava a comida que era possível colocar no momento, e ele, comia. Ao dizer que sempre respeitava as pessoas mais velhas, podemos nos atentar ao não dito, ou o que poderia ter sido dito no lugar, parafraseando sua fala; o autor poderia ter dito que nunca desrespeitou os mais velhos, mas, preferiu reforçar a sua conduta positiva. Em seguida, diz que a televisão tinha apenas três canais; ao numerar os canais, poderia estar fazendo alusão à quantidade de canais que as televisões possuem à disposição hoje em dia.Diz ainda, que não mexia para não quebrar; "para não quebrar" explica uma regra e o motivo pelo qual não mexia. Ao dizer que arrumava a cama antes de sair, isso não representa apenas um encadeamento de fatos, mas é uma exposição de como era a ação normal para o seu dia.


Fazia o juramento à bandeira na escola, bebia água de torneira, andava descalço, tênis barato e roupas sem marca, não tive celular, nem tablet e muitos menos computador... 
Ajudava minha mãe nas tarefas de casa, e não achava que era exploração infantil, tinha horário para dormir.

Nessa parte, o autor exalta alguns hábitos, como fazer juramento à bandeira. O "fazer juramento à bandeira" levanta uma memória discursiva que nos leva ao tempo do militarismo, da "moral e cívica", da ditadura, quando todos eram obrigados a idolatrar os símbolos nacionais e saber todos os hinos. Esse hábito destoa um pouco semanticamente dos outros que são citados a seguir, como andar descalço e beber água da torneira (hábitos de quem tinha poucas posses ou vivia com a meninada pelas ruas) e ter roupas de marca, celulares, tablet e computador (o que nos leva a pensar que atualmente as crianças exigem tais consumos). Quando ele diz que ajudava a mãe nas tarefas e não achava ser exploração infantil, faz alusão aos discursos dos jovens atuais, que se queixam em fazer as tarefas das casas onde moram; ao dizer que tinha horário para dormir, deixa claro que tinha regras e que elas eram cumpridas, sugerindo que hoje não é assim que acontece.

Quando tirava boas notas não ganhava presentes, porque não tinha feito mais que minha obrigação. Notas baixas era castigo, apanhava quando aprontava e isso era apenas um corretivo e não caso de polícia!!

Nesse trecho ele fala sobre a rigidez do tratamento dos pais com os filhos, que colocavam como regra o bom desempenho na escola, e quando descumpriam essa regra, as crianças eram castigadas com agressões físicas. Então entra a parte polêmica que questiona a lei da palmada, que pode punir os agressores legalmente. Segundo o seu discurso, corrigir os filhos com castigos físicos seria legítimo e até mesmo necessário. Quando ele diz que "não ganhava presentes", faz alusão à maneira como as crianças e adolescentes são gratificadas por fazer o que, segundo suas palavras, seria cumprir as regras estabelecidas.



E não sou revoltado, não faço analise em médico, e não falta nenhum pedaço em mim.
Menos frescura e mais disciplina para essa geração!!!! É disso que o mundo e as crianças estão precisando!

Aqui, expõe as consequências da educação que recebeu, justificando que a maneira rígida que fora tratado não teria causado nele algum trauma ou lhe prejudicado de alguma forma. Segue clamando por disciplina e menos "frescura". "Frescura" estaria fazendo referência ao contraste da forma como ele fora tratado na infância, quando os pais eram mais rígidos com os filhos, em relação a geração atual, que precisaria de incentivos para cumprir as regras impostas pelos pais. A palavra disciplina também aciona a memória discursiva que faz referência ao período militar, quando as palavras do momento eram disciplina, ordem e progresso. Segundo o autor, as crianças de hoje precisam das regras e da disciplina que existia no tempo em que ele era criança.

Ordem, Respeito, Disciplina, Bondade, Educação, Obediência e Amor...
Por um mundo onde não haja só direitos, mas também Deveres!

Aqui aparecem novamente as palavras que acionam a memória discursiva relativa ao período ditatorial, que são a ordem e a disciplina, assim como a obediência.Parafraseando a frase seguinte, ele poderia ter dito que este mundo, para os filhos de hoje, só lhes dão direitos, e não deveres.O autor coloca ainda atributos como bondade, educação, respeito e amor no mesmo balaio dos outros conceitos ensejados por ele. 

Conclusão:

Cada discurso fala de seu tempo e suas formações discursivas, assim como acionam memórias discursivas de outras formações, mesmo que o locutor não tenha ciência dos significados por trás do que diz; como diz Pêcheux,  o enunciador tem dois esquecimentos, e um deles é esquecer-se de que o que diz já foi dito, ou seja, ele pensa ser a origem de tudo o que diz. No momento em que vivemos, quando vemos uma polarização de opiniões e de posições, não apenas no Brasil, a nossa interpretação desse pequeno texto reproduzido e distribuído através das redes sociais, pode gerar diversas reações. O assunto gera polêmica por diversas questões, a primeira delas fala sobre a educação de filhos, sobre a maneira que os pais deveriam lidar e interagir com eles, e sobre a aplicação de castigos físicos às crianças; a outra questão diz sobre a suposta apologia à ideologia que existia na época da ditadura militar no Brasil, o que aparece nas entrelinhas, quando palavras que remetem aos discursos ditatoriais fazem parte das justificativas do autor. Há ainda a discussão sobre os valores adotados pela geração atual de crianças e adolescentes, que agiriam como se os pais existissem para serví-los, ou seja, de acordo com a argumentação do autor, presenteando-os quando cumprissem com suas regras, suprindo-lhes as exigências consumistas, alem de eximi-los de tarefas domésticas. 

Como um textinho tão besta pode gerar tantas interpretações e reações? A resposta está nas memórias discursivas que são acionadas, assim como nas visões políticas e pedagógicas, que estão bastante polarizadas atualmente. O importante aqui foi perceber como a linguagem e os discursos podem tomar diversas proporções e servirem para diversos propósitos. A bíblia que o diga.



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