saiam de seus guetos!


É difícil ficar calada quando o circo está pegando fogo, mas no caso do Brasil e do mundo atual, o circo parece que já está quase em cinzas.  Não, quando penso no ano que está por vir, sei que ainda há muito mais pela frente, e quando digo muito mais, é muito mais negatividade, infelizmente.

Vou tentar não ficar na teorização e partir logo para os fatos:

- Quando há na universidade eventos para discutir questões como dislexia, esses eventos ficam completamente esvaziados de estudantes, mas esses lotam eventos para discutir questões como as de gênero;

- Há poucos anos, estudantes saíram às ruas para protestar contra o aumento da passagem, e, no caso de Ouro Preto (mas não só), protestar também sobre uma infinidade de coisas, como o preço do bandejão, além de manifestarem-se com reinvindicações como mais "camofas" nas festas. Vi placas "Não é por 20 centavos", quando aqui na cidade o aumento seria de 30 centavos. Emocionou-me ver o povo junto, mas sabia que era modismo.

- Derrubaram uma presidente eleita democraticamente (até onde podemos considerar democracia as manipulações políticas), e estamos vivendo um dos períodos mais críticos da história, mas ninguém parece se importar com todo o retrocesso que está acontecendo;

- Dezenas de funcionários terceirizados foram demitidos em meu local de trabalho, a jornada de trabalho foi reduzida juntamente com o salário, mas o trabalho aumentou;

- O aumento salarial que teríamos no próximo ano parece ter sido cancelado, e houve aumento de tributação, o que significa queda de salário;

- O dinheiro destinado à educação sofreu enorme baixa, e, nesse último mês, o tal do Banco Mundial publicou que o Brasil deveria acabar com as universidades públicas;

- Regionalmente, a Samarco anunciou a demissão de 600 funcionários;

Uma filósofa americana foi agredida no aeroporto por ter vindo palestrar no Brasil, como se ainda estivéssemos na idade média;

- Intolerâncias racial, religiosa, ideológica crescem ferozmente a cada dia.

E tantos outros fatos que não tenho tempo, nem paciência para citar... O que significa tudo isso?

Significa, que a tal identidade líquida, ou a  identidade descentralizada, ou fragmentada, como disse Stuart Hall, está nos tornando, ao contrário do que pareceria, alienados e egocêntricos. São tantas as possibilidades de identificação, que a cada dia surgem novas categorias de humanos que reivindicam espaços. Ao mesmo tempo, podemos nos identificar com tantas delas, que acabamos por perder, talvez, essa mesma identidade.

O negócio é o seguinte, o que é melhor para mim, para o outro, e para a humanidade? Supostamente, a minimização de danos individuais, sociais e o bem estar geral. Como conseguir isso? Cada um tem suas convicções e teorias. Há como não tomar partido? Não?  Como resolver essa bagaça então? Tentando impor a concepção ideal de mundo aos outros, ou seja, o modelo de educação, economia, governo, a fim de alcançar o bem estar social? Talvez. De que forma? Violência? Novamente, talvez. Contra certezas, não há argumentos.

Porém, o bem estar social está embargado por uma infinidade de particularidades.  Como resolver as pequenas questões de uma infinidade de grupos a fim de proporcionar a igualdade?

Só tem um jeito: Deixar de ser alienado, saber o que é a realidade geral, não permitir que questões morais governem, ou seja, deixar de querer julgar e condenar comportamentos alheios que não interferem diretamente em nosso bem estar, ou causem dano direto a nossa vida, e compreender que, em sociedade, é preciso que haja igualdade de condições, do contrário, sempre existirá conflito, guerra, danos.

Resumindo objetivamente:

Quando assumimos uma determinada identidade e concentramo-nos em defendê-la acima de qualquer coisa, tornamo-nos intolerantes em relação aos outros e esquecemos de defender as necessidades sociais básicas para lutar por questões que são importantes, mas segregam e enfraquecem as lutas em favor da sociedade como um todo. Enquanto minorias lutarem contra as outras, ou excluindo algumas outras, a mudança será apenas em relação a quem assumirá o posto de capitão do mato, nunca haverá mudanças verdadeiras, profundas e duradouras;

mesmo que alguns digam que a desconstrução de tudo nos fez perder os parâmetros, pensar que não existem verdades absolutas, que escolhemos o que para nós parece melhor, e que, consequentemente, o outro tem o mesmo direito de escolha que nós, permite que nos tornemos mais tolerantes. Mas, devemos ter a consciência de que parâmetros são necessário para que não haja o caos, porém, esses, os parâmetros, não são absolutos.

Vamos parar de nos preocupar com o que o outro faz em sua particularidade, com como ele se veste, do que gosta, como fala e anda, com quem e como faz sexo, pois essas questões não dizem respeito à sociedade. O que diz respeito a sociedade, é que mais de 50% dos brasileiros ganha menos que um salário mínimo. O que diz respeito à sociedade é que apenas 7,9% dos brasileiros tem graduação, é que pessoas sofrem violência por pertencerem a esse ou aquele grupo. O que interessa é saber se as crianças estão sendo desamparadas, se lhes faltam comida, higiene, atenção e educação. Interessa saber  se um deficiente físico (pessoa com deficiência), um negro (ou preto, sei lá), uma mulher, um homossexual, uma mulher deficiente, negra e homossexual possuem os mesmos direitos, os direitos de serem quem quiser e de serem amparados pela sociedade de maneira igualitária. Saiam de seus guetos e defendam a humanidade ao invés de lutarem com o diferente.

A alienação está por toda a parte, não se enganem. Está nas favelas, mas está nas academias também. Em uma, por falta de teoria, em outra, por excesso. Numa falta o ideal, noutra, a realidade nua e crua. 

Enquanto cada um defender o particular e apenas enxergar o mundo de dentro de uma redoma, a decadência continuará a ser inevitável.


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