Lei Maria da Penha - por que as mulheres suportam uma relação abusiva

É difícil compreender os motivos que levam  uma mulher do nosso século, vivendo em uma cultura ocidental e tendo lutado e conquistado tantos direitos dentro da sociedade, como a lei Maria da Penha, a suportar relações que, simplesmente, não trazem nada além de muita dor e trabalho sobressalente. A mulher que se diz independente, que trabalha, que se forma, que não tem mais vergonha de colocar a cara no meio da rua, ainda sofre de um grandisíssimo mal, muito bem explicado no livro "Complexo de Cinderela" da escritora Collete Dowling. Segundo a autora, "mesmo as mais esclarecidas (mulheres), mesmo aquelas que alcançavam sucesso profissional, continuavam acalentando o desejo secreto de ser arrebatadas por um "príncipe" ou, em outras palavras, de ver-se livres das responsabilidades que acompanham uma "autêntica vida adulta"" (Carlos Graieb). Mas o mais estranho nessa história toda é que muitas vezes estas mulheres é quem são o suporte da família, pois,  quando não contribuem com a maior parte da renda,  ou muitas vezes, como a única fonte de renda, ainda sim, são as administradoras e agentes de todos os procedimentos de que necessitamos para viver em sociedade.
 
Ao longo de minha vida presenciei inúmeros casamentos fracassados, mas que teimavam em continuar, mesmo que capengas, como se não houvesse mais solução ou outra salvação. Na maioria das vezes, a mulher era ativa, trabalhadora, era quem saía e resolvia todos os problemas relacionados aos filhos e à economia do lar, além de todas as tarefas domésticas rotineiras. Elas não tinham medo de lutar por suas necessidades, eram as verdadeiras donas do lar e da família, enquanto o homem era uma criança mal-desenvolvida, grossa e resmungona. Muitas destas mulheres suportaram a humilhação de saber que seus maridos tinham amantes, tiveram que deixar seus sonhos para cuidar dos outros (marido e filhos), se anulando dentro da sociedade para se tornarem a "mulher de fulano de tal". Algumas, depois que os filhos tomaram uma certa independência, saíram para o mercado de trabalho, fazendo o que era possível e acumulando tarefas. Outras, desde o início abraçaram a quíntupla jornada, trabalhando, estudando e cuidado de tudo, vivendo em eterna exaustão. Enquanto isso, seus maridos viviam suas vidas como bem entendiam, trabalhavam e pensavam que isso era mais do que a obrigação de um marido. Não abandonavam os lazeres da vida de solteiro, a bebedeira com os amigos, as farras, os fim de semanas, as mulheres. Nunca sentiram prazer na vida doméstica ou se interessaram pela vida dos filhos, considerando que isso era ocupação da escrava que adquirira e fazia o favor de manter e proteger. Essa é a cara da maioria dos casamentos, pelo menos ainda é, aqui entre os nativos de Ouro Preto, Mariana e regiões do interior de Minas.

Considerando que estes casamentos não trouxeram nenhum benefício a estas mulheres, por que diabos elas não largam os trastes e vão viver uma vida mais leve e pacífica? 

Infelizmente, quem vive no interior pode perceber que algumas coisas ainda pesam muito para uma mulher. Ser separada ainda implica em muitos estigmas e muitas provações a serem suportadas pela mulher, apesar de a sociedade dizer que não. Inicialmente, quando uma mulher se separa, a primeira idéia que as pessoas criam é de que a culpa foi dela, ela deve ter feito algo de errado, por que "o marido nunca deixou faltas nada em casa", embora ninguém saiba realmente se faltava, ou se as roupinhas das crianças continuavam bonitinhas por causa dos esforços desta mulher. Depois começam a fofocar e imaginar como será a vida da separada, que, com certeza, cairá na promiscuidade, terá vários relacionamentos, "cairá na vida". Os homens, que souberem da nova situação dela, não a respeitarão, e toda vez que ela passar pela rua, começarão a desfilar cantadas nojentas e abusivas, por que separadas não merecem respeito e devem estar "necessitadas". Os filhos terão vergonha de contar para os coleguinhas que a mãe é separada, e  ninguém mais vai convidar estas mulheres para suas festas, principalmente as ciumentas com seus namorados. Alguns olharão com pena para elas e outros até mesmo com repulsa. Eu digo isso por que eu sou uma SEPARADA.

 Quando Tomei a decisão de me separar, eu tinha apenas a certeza de que não queria mais continuar a levar uma vida na qual não me sentia feliz ou livre para ser eu mesma, e qualquer coisa depois daquilo seria melhor para mim. Eu fiquei impressionada com as doses de machismo que fui obrigada a engolir! Um me contou a história de uma mulher que, depois de flagrar o marido com a outra na cama, se separou e foi obrigada a vender pano de prato para sobreviver. Eu quase não entendi a moral da história, mas na cabeça daquela pessoa, uma mulher deveria suportar qualquer humilhação e dor, por que ela não seria capaz de se sustentar sozinha, e que nada seria motivo para deixar o marido. Lógicamente, esta história me incentivou ainda mais, por que vender pano de prato pode ter sido a coisa mais mais digna que essa mulher já fez na vida, dependendo apenas de seu trabalho para viver como quisesse e tomando suas próprias decisões.

Por toda essa pressão e preconceito, é compreensível que a mulher prefira manter o casamento, mas será que vale a pena?

Outra pressão que sofrem as mulheres em nossa sociedade se dá no campo religioso. Se separar é um pecado terrível por que "o que Deus uniu, que o homem não separe". A mulher, sendo causadora de todo o pecado do mundo (Eva maldita), precisando ser submissa como diz a bíblia, não pode e não tem o direito de querer se livrar de um traste, por que,  como diria a minha avó, "comeu a carne, agora tem que roer os ossos". Porém, quem juntou estes marido e mulher, quem os escolheu, não foi Deus, mas eles mesmos. Deus também não lhes deu o livre-arbítrio, por que agora diz que não podem se separar se quiserem? Por que Deus tem que ser tão contraditório? Assim não dá pra entender, Ó, Deus! O mal das pessoas é não questionar, e é isso o que as religiões nos ensina.

Saindo da esfera dos casamentos, por que algumas mulheres, sejam elas solteiras, viúvas ou separadas,  aceitam continuar em um relacionamento que lhes traz apenas sofrimento?

Eu penso que nessa hora, o complexo de Cinderela está mais presente do que nos casamentos. As coisas estão mudando bastante, as mulheres estão cultivando um comportamento antes caraterizado como sendo tipicamente masculino, ou seja, saem, não procuram por relacionamentos duradouros, apenas desejam curtir os prazeres efêmeros e com a maior quantidade de exemplares masculinos possíveis. Sendo assim, obter sexo e satisfação física é cada vez mais fácil em nossa sociedade, o que deixa a todos com uma certa "preguiça" de investir ou insistir em qualquer relação que comece a incomodar. Os relacionamentos estão cada vez mais superficiais e as pessoas descartáveis. Porém, ainda somos seres humanos e haverá um momento em que sentiremos a necessidade de sermos especiais, únicos e indispensáveis para alguém, por que isso é do ser humano, esperar tal reconhecimento de valor. Ainda há o mito do amor romântico, do conto de fadas, do príncipe que nos tirará de toda a podridão da vida de gata borralheira e nos cobrirá de amor até o fim, que será diferente de todos os outros que só querem sexo.

Quando a mulher encontra alguém que, supostamente, compartilhe algo com ela de maneira que nenhum outro fez e que ela acredite fielmente que este seja a sua alma gêmea, é difícil para ela aceitar que isso possa não ser a verdade absoluta.  Ela já teve experiências, ela sabe como as relações são superficiais, ela não quer perder essa coisa tão especial que ela pensa ter encontrado e acha que nunca mais encontrará.

Outro problema é que a mulher não tem pré-definidos os conceitos do que seria um parceiro ideal para a sua vida e fica delirando sem pensar nas implicações práticas do relacionamento com o tal parceiro. Ao invés de ser criteriosa, ela se agarra em "qualidades" e se esquece da realidade, de enxergar o seu amor e a vida como eles realmente são. Ela ama demais e não sabe, não quer e não consegue abrir mão do que pensa ser  o único e verdadeiro amor, quando na verdade, ela ainda nem sabe o que é amar. E nesse desespero de perder algo que talvez nem possua e nunca vá possuir, ela se destrói, se humilha e se abandona, fechando a porta para possíveis e reais possibilidades.

Posso concluir então que a mulher ainda suporta relações abusivas por quatro motivos:

_ Medo do que possa vir a sofrer carregando o estigma de mulher separada;
_ Medo de não conseguir ser capaz de se sustentar e de viver só;
_ Medo de que os filhos sofram;
_ Medo de não conseguir encontrar outro amor, ou de perder o único e verdadeiro amor.

Estes pontos podem ser resumidos pelas palavras INSEGURANÇA e MEDO.

Esta mulher precisa entender que nada é mais importante que se sentir em paz e bem consigo mesma, pois suportando relações abusivas, ela nunca estará feliz. Pedir, não é vergonha, trabalhar não é vergonha, estar só não é vergonha. O que é vergonhoso é ter que se humilhar todos os dias por um prato de comida, o que adoece é  ser tratada como um lixo da humanidade, o que mata é não ser reconhecida como um ser humano capaz de viver por si mesmo. A mulher precisa saber o que quer e o que não quer em sua vida, e a partir disto, assumir as responsabilidades para conseguir. Se ela quer alguém que lhe respeite e lhe trate como prioridade, então não escolha alguém que não faça isso. Não aceite menos. A mulher precisa saber que ela merece o melhor, não o pior. A mulher precisa, de uma vez por todas, aprender a dizer NÃO para a sociedade e SIM para si mesma.

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