FIAT LUX!


Nada importa, a dor é maior que todos os constrangimentos, maior que todas as frustrações, maior que o próprio ser que sofre! A porta que estava entreaberta não quer mais deixar que a luz passe, e caso uma brisa venha mudá-la um pouco de lugar e apareça um pouquinho de claridade, fere tanto os olhos que é insuportável! A luz significa um sábado ensolarado e quente, quando todos saem de casa para passear com os amigos e familiares, sorrindo, gargalhando, brincando, vivendo, e aqui dentro das trevas, se morre! Como é odioso o sábado radiante para quem sofre!Como é atrevida a alegria dos outros, que não se compadecem dos pobres infelizes!

Os noturnos se acostumaram às trevas. A escuridão lhes é agradável, dentro dela não se enxerga com a nitidez do dia, à noite, os gatos são pardos. Nas trevas podemos sair e ficar olhando sorrateiramente para os passantes, ou podemos dormir e aguardar o próximo pôr do sol.

Quem vive da noite não suporta a vivacidade diurna, a alegria do sol lhe cansa, lhe fadiga, a agitação lhe é um desafio! Para sair da cama, ambiente familiar, confortável e propício, é um tormento.

Tanto tempo dentro de uma caverna escura lhe dá a certeza de que é impossível que seus olhos se adaptem de novo à luz.Ele nem mais almeja isso, nem sabe se isso seria bom, quer apenas estar debaixo de suas cobertas.

Se um dia ele tivesse coragem de se esgueirar pelo chão até a porta de saída para ver um pedacinho do dia, da vida, ele se lembraria dos momentos em que brincava banhando-se no sol da manhã até à tarde, talvez sentiria em seus lábios o gosto do vento quente, sentiria o suor escorrendo enquanto inventava máquinas voadoras e martelava os seus dedos, reviveria a alegria que experimentava quando dava cambalhotas no sofá da mãe, mesmo a contragosto desta, tremeria ao sentir o primeiro toque na adolescência e assim, talvez, pudesse acordar do pesadelo e voltar a lutar.

Voltando para a luz, lembrando-se de que faz parte do dia e de que necessita dos raios solares como todos os outros, ele poderia dormir quando precisasse, e acordar quando quisesse.


Comentários

  1. A coragem é coisa boa, mas vive tão escondida dentro da gente, que as vezes é mais cômodo não procura-la. Temos medo de reencontrar as coisas que nos lembram o quanto vale a pena viver? Adorei o texto, Lu, você está escrevendo deliciosamente. Beijos.

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